O Brasil que eu quero

domingo, 03 de junho de 2018

Corro o risco de desviar um pouco dos temas habituais deste espaço, mas dado o contexto em que escrevo estas linhas acredito que possa ser perdoado. A grande notícia do ano até aqui no Brasil teve relação direta com transportes rodoviários, ou mais precisamente a restrição deles. E não podemos ficar alheios a isso, correto?

Ao longo da paralisação dos caminhoneiros, passear pelas redes sociais ou fazer parte de qualquer grupo de WhatsApp foi como transitar num campo minado por “notícias” e “informações” falsas, parciais ou manipuladas, despejadas por uma indústria da desinformação especialmente ativa num ano eleitoral no qual o cenário que se desenha parece tão aberto. A imensa maioria dos debates, se é que podemos chamar desta forma, girou em torno de tentar atribuir as responsabilidades pela crise a grupos rivais, na maior parte das vezes trocando argumentos por imprecações ou dados fabricados. O espaço reservado a análises sérias e a busca por soluções foi preocupantemente pequeno, e os sinais enviados pela reação de grande parte da sociedade certamente hão de nortear campanhas ainda mais sórdidas no futuro.

Creio, contudo, que seja nosso dever buscar caminhos para que possamos sair da crise melhores do que entramos, coletiva ou individualmente. É preciso buscar as origens do problema, as motivações do que aconteceu, e também o que pode ser feito para tornar o país mais eficiente e diversificado sob o ponto de vista dos transportes.

A primeira pergunta, ainda que essencial, deve levar algum tempo para que possa ser respondida com justiça e em sua real abrangência. Já a segunda parece um pouco mais simples. Olhando com o benefício da perspectiva histórica, há que se reconhecer que o abandono da malha ferroviária foi um dos maiores crimes já cometidos contra a castigada população brasileira, não apenas por representar um caso flagrante de prevalecimento de interesses particulares sobre os coletivos, mas, sobretudo, pelo impagável custo em vidas que continua a se acumular a cada nova ocorrência envolvendo veículos pesados.

Sabe-se que em média o transporte de cargas chega a custar sete vezes menos quando feito sobre trilhos, sem nem ao menos considerar nesta conta os enormes gastos com a tragédia citada acima. E quando se usam hidrovias o custo pode ser ainda menor. Num ano que ainda será marcado por muitas promessas vazias, e no qual uma grande campanha pergunta qual o Brasil que cada pessoa quer, entendo já ter passado da hora de se falar concretamente a respeito da infraestrutura de transportes no Brasil, ou mais especificamente de sua crônica insuficiência.

É inadmissível, por exemplo, que um país possua tantos rios navegáveis e os explore tão pouco sob o ponto de vista do transporte de cargas e passageiros, da mesma forma como não se pode compreender que houvesse já uma malha ferroviária estabelecida que foi deliberadamente sucateada, ou que a “opção” pelo transporte rodoviário tenha que conviver com estradas de pavimentação medieval, enorme quantidade de pedágios e uma política de preços para os combustíveis pautada por grande variedade de interesses externos.

Neste momento de sua história, parece claro que o Brasil precisa se repensar. E um projeto sério de revolução nos transportes, que seja continuado por governos antagônicos e considere as previsões energéticas para as próximas décadas, pode fazer enorme diferença quanto ao país que deixaremos para nossos filhos e netos.

 

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Márcio Madeira da Cunha

Sobre Rodas

O versátil jornalista Márcio Madeira, especialista em automobilismo, assina a coluna semanal com as melhores dicas e insights do mundo sobre as rodas

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