Aletas

sábado, 28 de abril de 2018
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(Não, você não leu errado)

Vimos em nosso encontro na semana passada que o design de corpos pode gerar zonas de baixa pressão nos fluxos de ar que se dividem acima ou abaixo destes mesmos corpos quando em movimento, conforme a aceleração que cada uma das superfícies exerça sobre seu fluxo específico. Se a aceleração maior for na parte de cima do corpo, a zona de baixa pressão exercerá uma sucção para cima, e a esse efeito damos o nome de sustentação. É a sustentação, por exemplo, que explica como o avião consegue voar. Já em carros de corrida, por exemplo, o design irá cuidar para que a pressão abaixo de veículo seja menor, gerando sucção entre o asfalto e o assoalho. A esse efeito dá-se o nome de carga aerodinâmica (ou downforce, em inglês).

Para veículos de rua, projetados para não circular a velocidades demasiadamente altas e pautados por diversos outros critérios de funcionalidade, basta que o design não cause muito arrasto, nem tampouco gere sustentação a ponto de afetar a segurança no momento de percorrer curvas de alta velocidade. No entanto, para veículos que necessitam de uma abordagem mais radical nesse sentido, como aviões ou carros de corrida, a sustentação ou a carga advindas da aceleração do fluxo de ar jamais serão suficientes se as zonas de baixa pressão não estiverem “protegidas” de fluxos laterais, que conforme dissemos na semana passada reduziriam a eficiência do efeito da mesma forma como um furo lateral (acima do nível do líquido) inutiliza um canudo.

Nesses casos mais específicos, a solução mais comum é recorrer ao uso de aletas, que funcionam como “paredes” a proteger e isolar os ambientes onde se deseja reduzir a pressão aerodinâmica. Os casos mais visíveis deste tipo de esforço são os chamados carros-asa, que competiram na Fórmula 1 entre 1977 e 1982, até serem banidos sob alegação de insegurança. Especialmente nos anos em que o sistema funcionou a pleno (1979, 1980, e 1982), mesmo olhos leigos são capazes de notar, numa pesquisa rápida por imagens no Google, exatamente o que dissemos aqui. Os carros eram assim chamados justamente porque emulavam o formato de uma asa de avião, ainda que invertida, buscando gerar carga aerodinâmica, em vez de sustentação.

Para maximizar o efeito, as laterais dos carros tinham prolongamentos sustentados por molas – as chamadas minissaias – que eram pressionados contra o chão e vedavam o ambiente abaixo do carro. Essa vedação, quando combinada ao perfil mais reto possível na parte de cima e bastante projetado na parte de baixo, resultava em tanta pressão aerodinâmica que os tradicionais aerofólios tornaram-se mínimos, quando não dispensáveis. Parte desse efeito também pode ser visto em alguns carros de rua, geralmente adaptados, nos quais instala-se um difusor, ou extrator.

Tal peça, localizada no assoalho na parte posterior do veículo, próxima ao cano de descarga, tem apenas função aerodinâmica. Basicamente, seu propósito é fazer com que o fluxo de ar que passa abaixo do carro desenhe uma curva para cima ao término de sua viagem, permanecendo “grudado” à superfície. E, para assegurar que tal expansão se traduza em melhor dirigibilidade e aderência dos pneus com o solo, a peça recebe várias aletas longitudinais que cumprem papel semelhante aos das minissaias nos carros da F1 de 40 anos atrás, isolando e protegendo as zonas de baixa pressão.

O assunto, claro, é bastante complexo, mas tendo essas noções básicas é possível avaliar o formato dos veículos que circulam em nossas ruas e estradas com outros olhos, e entender melhor o porquê de certas curvas e linhas.

 

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Márcio Madeira da Cunha

Sobre Rodas

O versátil jornalista Márcio Madeira, especialista em automobilismo, assina a coluna semanal com as melhores dicas e insights do mundo sobre as rodas

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