MASSIMO - 23/12/2014

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

ESPÍRITO DE NATAL (1)

À exceção da data original, na preciosa manjedoura de Belém, provavelmente nunca na história houve Natal com tanto significado quanto o de 1914, exatos cem anos atrás.


ESPÍRITO DE NATAL (2)

Naquela noite memorável, que teria tudo para ser mais uma repetição da rotina de bombardeios entre exércitos separados por trincheiras e pela impenetrável terra de ninguém, ao longo dos mais diversos teatros de guerra, espontaneamente, por iniciativa de todos os lados envolvidos, o céu deixou de ser iluminado pelas incessantes bombas da artilharia e voltou a exibir suas estrelas.

Todas elas tão significativas quanto a que guiou os magos, 19 séculos antes.


ESPÍRITO DE NATAL (3)

O mundo ainda se acostumava à ideia surreal de estar mergulhado num conflito mundial e, no distanciamento dos centros de comando, generais, almirantes e brigadeiros não haviam antecipado que, afinal, os jovens na linha de frente — impelidos a matar e serem mortos por razões que mal conseguiam reproduzir — sentissem falta de suas famílias e conservassem vivos os pilares de sua humanidade.

 

ESPÍRITO DE NATAL (4)

Ainda de noite, e ao longo de todo o dia seguinte, desconhecidos inimigos mortais ousaram finalmente se apresentar.

Empunhando improvisadas bandeiras brancas expuseram rostos e peitos às miras de metralhadoras, enquanto atravessavam a terra de ninguém levando os presentes possíveis.


ESPÍRITO DE NATAL (5)

Praticamente sem exceções, as iniciativas não apenas foram respeitadas, como também correspondidas.

No mais improvável dos cenários, em meio a corpos dilacerados e crateras provocadas por obuses disparados nos dias anteriores, chocolates e cigarros foram trocados, mortos de ambos os lados foram recolhidos e sepultados dignamente, cartas trocadas para que fossem entregues a parentes ou amigos sitiados em lados opostos, e até mesmo partidas de futebol chegaram a acontecer, com maior ou menor notoriedade.


ESPÍRITO DE NATAL (6)

Nos anos seguintes, os comandantes não cometeriam o mesmo "erro”.

Em todos os lados as tropas seriam orientadas a seguir com os bombardeios, evitando que qualquer tentativa de trégua não oficial pudesse ser estrategicamente explorada pelo inimigo.

Em nome de uma "vitória” cada vez mais afastada de seu significado original, preservado nos verbetes dos dicionários, sacrificava-se na alma dos soldados tudo que poderia dar sentido à própria vida.


VALEU A PENA?

Olhando em perspectiva, cem anos depois, seria fácil concluir que tudo naquele natal de 1914 não passou de uma ilusão, de um episódio ingênuo e condenado a não se repetir com "a evolução da guerras”, com todas as aspas que a expressão merece.

Considerando, no entanto, que passado um século cá estamos nós reverenciando o dia em que o espírito natalino calou canhões e metralhadoras, talvez seja mais justo recordar a sabedoria de Fernando Pessoa e acreditar que, de fato, tudo vale a pena se a alma não é pequena.


INSPIRAÇÃO

Que a memória do inesquecível Natal de 1914 possa inspirar todos nós a uma convivência mais tolerante e pacífica, não apenas valorizando e preservando o inestimável tesouro que é a paz, mas também erguendo bandeiras brancas e cruzando a terra de ninguém sempre que a boa convivência depender de um ato de grandeza e renúncia a orgulhos, vaidades ou razões.

Afinal, como bem registrou a letra do Legião Urbana, "ter bondade é ter coragem”.


SUGESTÃO MUSICAL

E já que falamos em boa música, fica aqui uma última sugestão.

A canção "All Together Now”, lançada em 1990 pela banda inglesa The Farm, além de muito agradável, é inspirada no dia da trégua de Natal de 1914, e pode ser ouvida facilmente na internet.

Vale a pena conferir, e prestar atenção à letra.

 

FELIZ NATAL!

Agradecendo por mais um ano de parceria, o Massimo deseja um feliz Natal a todos.


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Coluna diária sobre os bastidores da política e acontecimentos diversos na cidade.

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