Colunas
Fundo do poço
Para pensar:
“O Brasil não sabe da grandeza, da riqueza disso aqui. Se soubesse, não deixaria chegar nesse estado.”
Alexandre Kellner, diretor do Museu Nacional, em reportagem da Folha de São Paulo publicada em maio deste ano.
Para refletir:
"Quando o descaso é grande, a perda é inevitável.”
Suany Seixas
Fundo do poço
O incêndio que consumiu na noite de domingo, 2, parte irrecuperável dos registros materiais de nossa história, abrigada no mais antigo e abrangente museu brasileiro, seria por si só uma tragédia cultural de proporções mundiais.
Mas, coisas do Brasil, o contexto consegue a proeza de deixar tudo ainda mais doloroso.
Chance perdida
De imediato, por exemplo, é importante constatar que, para muitos de nós, a perda do Museu Nacional é o adeus a algo que jamais chegamos a conhecer devidamente.
Um acervo digno dos mais relevantes depositários do planeta, que mantinha-se de maneira precária e arriscada a partir do comprometimento de abnegados, longe das medidas protetivas e da divulgação que fazia por merecer.
Evitável
É evidente que, na arena sem ética do período eleitoral, não serão poucos os esforços rasteiros por associar parte da responsabilidade pelo ocorrido a adversários políticos.
Mas, em meio a toda a tempestade de desinformação, não se pode fechar os olhos às evidências de que sim, o museu - e a cultura brasileira, de modo geral - experimenta o mesmo abandono administrativo que se reflete no insuportável desperdício de vidas em nossas estradas, em nossos hospitais, e nos nascedouros da violência.
Correndo atrás do rabo
As cinzas de nossa história somam-se, deste modo, ao infindável espólio de consequências irreversíveis atreladas a causas evitáveis, que vêm roubando a seiva desta terra tal como um parasita insaciável, desde que aqui chegaram os primeiros colonizadores.
Já sabemos, a essa altura, que a opção por privilegiar interesses pessoais a interesses coletivos serviu apenas para construir um país no qual o sonho de milhões consiste em atravessar o claustrofóbico funil da desigualdade, para em seguida bater a poeira dos sapatos e recomeçar a vida em sítios onde o bem-estar coletivo é prioritário.
Bem representados
Não faz sentido algum, chega a ser ridículo, e representa um ato de profundo desamor para com as gerações futuras.
Mas é, em essência, nossa história até aqui.
A rigor, sob vários aspectos, o incêndio evitável conta nossa trajetória com muito mais propriedade do que as peças que nele se perderam.
Transbordando
E é por lidar diariamente com consequências como essa, nascidas a partir de um sistema eleitoral viciado e hermético e de uma democracia de fachada na qual representatividade se negocia com dinheiro público, que a paciência vai aos poucos dando lugar à indignação.
Certas coisas vão ficando muito difíceis de aceitar.
Transparência
Vejamos, por exemplo, o que se passa com a Secretaria Municipal de Saúde.
No último fim de semana o secretário divulgou um vídeo propagandista em exaltação à própria transparência, no qual lê as despesas mensais da pasta, sem que tenhamos acesso às contrapartidas, a detalhes da utilização de tais recursos ou medidas de combate a desperdícios.
Ora, já que todos amam a transparência, a coluna se sente no dever de ajudar um pouco.
Sem PAe
É uma vergonha para Nova Friburgo que ainda não esteja em vigor o Processo Administrativo Eletrônico (PAe), dando a toda a população não apenas ciência a respeito da existência dos processos, mas acesso a seus conteúdos integrais.
Conforme, aliás, prevê a nova Lei Orgânica Municipal.
Até mesmo porque essas peças tramitam, e a devida rede de contatos indignados e com estabilidade irá sempre alcançar as informações que são guardadas debaixo do tapete.
Melhor, portanto divulgar por conta própria.
Exemplos (1)
Se já tivéssemos o PAe por aqui a população já saberia há muito tempo, por exemplo, que o processo licitatório para suprimento de gases medicinais só foi iniciado no dia 11 de maio deste ano, mesmo sendo de amplo conhecimento que a vigência do contrato anterior se encerraria no dia 6 de junho!
Desnecessário dizer que a situação evoluiu para um processo emergencial, iniciado, vejam só, no dia 29 de maio.
E aí: emergência de fato ou falta de planejamento?
Exemplos (2)
Da mesma forma a população já saberia que o processo 1512/18, voltado a licitar o fornecimento de alimentação hospitalar ficou paralisado entre os dias 24 de abril e 28 de junho, no setor de cotação da Secretaria Municipal de Saúde.
Detalhe: o contrato anterior - já emergencial - expirava no dia 30 de junho.
Segue
Também é importante notar que o processo emergencial que iria sucedê-lo -
que já é alvo de investigação policial e está em vias de inspirar a instauração de uma CPI - foi iniciado no dia 14 de junho, quando o processo licitatório ainda estava em sua inusitada fase de hibernação.
Será que alguém tentou despertá-lo e não conseguiu?
Ou terá digerido uma maçã envenenada, em meio a tantos alimentos descritos?
Desdobramentos
Poderíamos citar muitos outros exemplos, também em outras repartições da administração.
Como dito anteriormente, não vai faltar assunto para os próximos dias.
Por ora, no entanto, cabe apenas chamar atenção para possíveis desdobramentos de alguns destes casos.
Será?
Tem muita gente, por exemplo, apostando num iminente retorno do titular da pasta à Câmara Municipal, onde a atmosfera é protegida pela imunidade parlamentar e o sono costuma ser mais tranquilo.
Ademais, os TACs estão a caminho, e a aguardada redução na lista de nomeados é certeza de impopularidade e dores de cabeça a quem fez da administração um parque para indicações políticas.
O colunista, no entanto, prefere aguardar pelos fatos.
Perda friburguense
O amigo Girlan Guilland chama atenção para uma importante parcela friburguense entre o acervo perdido do Museu Nacional.
Aspas
“Além de ser quase ‘irmão’ de Nova Friburgo, tendo ambos sido criados pelo Rei Dom João VI com diferença de pouco mais de um mês, em 1818, o Museu Nacional guarda essa outra curiosidade/coincidência com a nossa bicentenária Nova Friburgo: em 1939 o conselheiro Julius Arp doou à instituição todo o seu acervo de borboletas, com 15 armários e mais de 600 gavetas. A maior coleção do gênero em toda América do Sul. O feito lhe rendeu até uma carta do então presidente da República, Getúlio Vargas. Esse fato é narrado com riqueza de detalhes no livro ‘Nova Friburgo em Quatro Tempos’ (1986), de autoria de Carlos Rodolpho Fischer, em edição comemorativa dos 75 anos da Rendas Arp.”
Desafio
E já que falamos sobre história, e também sobre situações tristes, nada mais apropriado do que propor um desafio diferente aos leitores.
O local todos vão reconhecer. Mas, e a ocasião?
E aí, alguém se arrisca a dizer por que as bandeiras estavam a meio mastro?
Boa sorte, e uma ótima semana a todos.
Massimo
Massimo
Coluna diária sobre os bastidores da política e acontecimentos diversos na cidade.
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