Efeito cascata

terça-feira, 04 de junho de 2019

Para pensar:

“Eu acho que não há inteligência sem coração. A inteligência é um dom, nos é  concedida, mas o coração a tem que suportar humildemente, senão é perfeitamente votado às trevas.”

Agustina Bessa-Luís

Para refletir:

“As coisas simples são indissolúveis. Não havendo nelas contradição, a tendência é para serem duráveis.”

Agustina Bessa-Luís

Efeito cascata

A sabedoria popular, condensada em ditados e provérbios, reserva várias citações à forma como erros e acertos tendem a abrir maus ou bons caminhos, que terminam por prolongar os efeitos da ação inicial.

É como contar uma mentira, e depois se sentir pressionado a contar muitas outras para sustentar a versão falsa.

Tudo, enfim, gera consequências.

E na administração pública não é diferente.

Exemplo prático

O que acontece hoje em relação ao transporte coletivo em Nova Friburgo é um bom exemplo deste tipo de situação.

Não são poucos os registros materiais de que a Secretaria de Governo - incluindo aí a subsecretaria diretamente responsável - tinham total ciência a respeito da impossibilidade de prorrogar o contrato até então em vigor, bem como do prazo que tinham para levar adiante o novo processo de licitação.

De joelhos

A própria Procuradoria tratou de lembrar tais informações ao ex-secretário com um ano e meio de antecedência, apenas para receber uma resposta absolutamente reveladora a respeito das reais intenções daqueles que devem responder pela situação vivida atualmente.

Enfim, quer seja por incompetência ou coisa pior, o fato é que o prazo foi perdido e hoje nossa cidade se encontra numa situação de extrema fragilidade ante a prestadora do serviço, tendo apenas um Termo de Ajustamento de Conduta que nem ao menos foi homologado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro a insinuar que os ônibus continuarão circulando no dia seguinte.

Sangue na água

Ora, é evidente que qualquer empresa na condição em que atualmente se encontra a Faol iria aproveitar o momento para negociar termos que lhe sejam favoráveis.

E os boatos de que a companhia estaria fazendo suas malas para ir embora apenas reforçam essa posição.

Ponto de equilíbrio

Da mesma forma, a coluna não está aqui sendo leviana ou “jogando para a torcida”, pois reconhece que a operação deve sim se pagar, dando espaço a margem de lucro compatível a quem presta o serviço.

O governo, no entanto, precisa pensar no coletivo e ter condições morais e jurídicas de estabelecer limites para isso.

Não deve, enfim, haver abuso de nenhuma das partes.

Pertinência

Certo, mas por que falar sobre isso agora?

Bom, porque a prefeitura acaba de publicar o decreto municipal 157, de 31 de maio de 2019, que acrescenta restrições ao exercício da gratuidade para “os cidadãos com idade igual ou superior a 60 anos até 64 anos no serviço de transporte coletivo de passageiros” em Nova Friburgo.

Algo bastante questionável, tanto no mérito quanto na forma.

O mérito

Começando pelo mérito, o decreto estabelece, entre outras coisas, que para fazer jus à gratuidade o cidadão precisa residir em Nova Friburgo e estar de posse de cartão especial, não aceitando mais a mera apresentação de documento que comprove a idade.

E mais: tal cartão precisa ser renovado anualmente, e receberá apenas 60 cargas ao mês, limitando a quatro o número de viagens num mesmo dia.

E que tal essa: para ter direito à gratuidade o cidadão precisará comprovar, no ato do cadastramento, que possui renda familiar igual ou inferior a dois salários mínimos.

Não custa lembrar

A esse respeito, talvez caiba questionar o que vem ocorrendo em relação ao Fundo de Compensação Tarifária (Funcotar), que certamente teria impacto maior sobre o equilíbrio econômico da operação do que a criação de transtornos a estes passageiros, caso estivesse servindo ao propósito para o qual foi criado.

A forma

É na forma, contudo, que residem os questionamentos mais concretos à medida do governo.

Autor da emenda que assegurou a gratuidade dos 60 aos 64 anos, tanto na Lei Orgânica anterior quanto na atual, o vereador Professor Pierre rapidamente protocolou projeto de decreto legislativo voltado a sustar o decreto 157 “nos termos do artigo 144, inciso XXVIII, da Lei Orgânica Municipal”.

A coluna entende, inclusive, que a matéria deverá tramitar em regime especial.

Aspas

"Estou indignado com a capacidade de um governo publicar um decreto abusivamente restritivo ao direito do idoso, o qual é assegurado pela Lei Orgânica Municipal e pelo Estatuto do Idoso. Sou contra fraudes e usufruto desmedido de direitos, mas não posso permitir que a inibição disso prejudique todos os idosos usuários do transporte coletivo entre 60 e 64 anos. Quando vi o decreto do governo, não me contive e, com base na lei, preparei um decreto legislativo para sustar o ato do governo e proteger o direito dos idosos."

Argumentos (1)

Em essência, o decreto legislativo lembra “a competência legislativa de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”; e também que “a Lei Orgânica Municipal, norma da qual emana o direito a gratuidades no transporte público municipal, não outorga ao Poder Executivo o direito de regulamentar o exercício de gratuidades por meio de ato normativo próprio”.

Argumentos (2)

A peça argumenta ainda que “as redações dos artigos 2º e 5º do decreto municipal 157 (...) são exorbitantes, pois reformulam o texto do inciso I do artigo 689 da Lei Orgânica Municipal ao desconsiderar apresentação pelo usuário de outra prova documental na falta de cartão específico”; e acrescenta que o artigo 3º “também é exorbitante, pois insere múltiplas restrições ao direito”.

Argumentos (3)

O decreto legislativo defende, em seguida, “que pretensão de eventual regulamentação deve ser instrumento de lei, ou seja, ser submetida à apreciação da casa legislativa que reafirmou o direito na nova Lei Orgânica Municipal a todos os idosos”.

O governo, naturalmente, sabe que tal lei dificilmente seria aprovada em plenário, o que talvez explique a tentativa via decreto.

Argumentos (4)

Por fim, o documento questiona “o grave descumprimento pelo Poder Executivo da Lei Complementar 78, de 16 de dezembro de 2013”, que cria o Fundo de Compensação Tarifária, e lembra que o decreto 157 foi publicado em meio “à inexistência de contrato de concessão, ou seja, em final de vigência de contrato precário, sem homologação pelo Poder Judiciário”.

Inaceitável

Em meio a tudo isso, eis que vaza um áudio de WhatsApp gravado por motorista direcionado à direção da empresa no qual o funcionário diz abertamente que vem atuando no sentido de “forçar o idoso a fazer o cartão” ao “deixar de castigo na roleta para anotar o número da carteira de identidade”.

Aspas (2)

“Eu deixo todos os passageiros com dinheiro passarem, e deixo [o idoso] de castigo para passar vergonha diante dos pagantes. Faço isso com a maioria para eles tomarem vergonha na cara e fazerem o cartão. É a única forma de forçar a barra deles. Assim muitos ficam com vergonha e dizem: ‘É, vou ter que fazer o cartão’.”

Inaceitável

Desnecessário enfatizar que tal comportamento, além de inaceitável, fere claramente o Estatuto do Idoso, notadamente em seu artigo 96.

Isso não pode ser tolerado de maneira alguma.

Da mesma forma, um olhar mais distanciado do que está acontecendo sugere fortemente que a população na faixa dos 60 aos 64 anos está sendo penalizada por erros cometidos - deliberadamente ou não - pelo governo municipal.

A situação é escandalosa e a Câmara precisa se posicionar a respeito, em defesa da LOM.

Respostas

Os amigos Leonardo Verbicário, João Baêta Verbicário, José Nilson, Daniel Lage, Rosemarie Künzel e Stênio de Oliveira Soares reconheceram corretamente a imagem de Nossa Senhora das Graças que se encontra no pátio interno do Colégio Anchieta. Parabéns a todos!

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Massimo

Massimo

Coluna diária sobre os bastidores da política e acontecimentos diversos na cidade.

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