A vila de Nova Friburgo: precioso torrão (3)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Prosseguimos na transcrição da última parte de uma crônica de fins do século XIX. Publicada no periódico Brazil Illustado, um estudante de engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro narra a sua viagem até Nova Friburgo analisando as condições da estrada de Ferro Cantagalo e aspectos de sua vida cotidiana da vila serrana.

“Fundada em 1819, às expensas do Estado, este antigo núcleo colonial suíço, sito no Morro Queimado, tornou-se mais florescente com a localização de imigrantes alemães feita em 1824, e emancipou-se em 1831, passando desde então a denominar-se Vila de Nova Friburgo. (...) Correm os rios Bengala, Cônego e Santo Antônio, cujas águas, avolumando-se com as cheias periódicas, extravasam pela zona lateral, onde foram lançadas as fundações da ex-colônia, produzindo inundações perigosas e causando graves danos ao povo laborioso daquela vila. (...) Desde a sua fundação, a atraente ex-colônia suíça, que no futuro será a nossa mais célebre cidade de banhos, recomendou-se sempre por seu clima temperado e pelas suas águas cristalinas. Junte-se a tão propícias condições higiênicas, um estabelecimento hidroterápico de primeira ordem, inaugurado pelo falecido médico Dr. Carlos Éboli, e ter-se-á a razão porque, no caso de certas moléstias, os enfermos e convalescentes preferem ir respirar temporariamente os ares puros e saudáveis de Friburgo. (...) Da inspeção minuciosa às notas tomadas pelo Sr. Carlos Engert, de julho de 1882 a dezembro de 1886, deduzimos uma média climatológica favorável à salubridade desse canto de província privilegiado, apesar das repetidas chuvas e da excessiva umidade relativa. (...) Sob o ponto de vista arquitetônico, a edificação da vila é, em geral, singela e despretensiosa. Destacam-se, todavia, entre as modestas casas, que bordam as compridas ruas e curvas travessas, vários edifícios elegantes e suntuosos, de uma arquitetura um tanto fantasista, porém, esteticamente belos. (...) Existe também uma praça ajardinada e o que é mais, uma outra famosa, sita junto à encosta de um morro; é a pitoresca Fonte dos Suspiros, apelido romanesco, o rendez-vous vespertino, em que se reúne a high-life friburguense. Perto admira-se Vilage, bairro encantador, habitado por uma boa parte da população. (...) Este vasto estabelecimento, onde estivemos hospedados, não receia de competir, em luxo, asseio e comodidade, com os congêneres hotéis Central e Salusse. Seja-nos permitido terminar, narrando brevemente a nossa estada adventícia em Friburgo. Francamente, foram uns dias enfarruscados e frios, cheios de tristezas tumulares e arrastando-se à toa. Para variar, as noites... Oh! Que noites deliciosas e inolvidáveis. Após a monumental troça feita aos padres salesianos pelos alunos da Escola Politécnica, caíram estes na simpatia dos habitantes de Friburgo. Talvez por isso fossemos aí bem acolhidos e honrados com imerecidas provas de apreço. Depois de escurecer, o nosso ponto de encontro era o Hotel Leuenroth. O amplo salão de visitas do hotel, diariamente transformado para as soirées dadas em nossa honra, tinha um aspecto deslumbrante. Havia uma concorrência limitada e seleta de moças, que davam àquelas reuniões familiares o tom íntimo de um idílio feérico. Ao som do piano, os pares voavam, voavam arrastados vertiginosamente pela cadência da música. As curvas moles dos seios virginais arfavam ao cansaço das danças, enquanto lá fora a brisa ventarolava as ramas dos arbustos. Ilusões da mocidade! Almas abertas em flor à imensa frescura das manhãs da vida! Esperanças translúcidas sorrindo na sua plena eclosão luminosa! Tais são as reminiscências confusas e fugazes das noites passadas em Friburgo! Essas perfumadas recordações, esses perfis idealmente divinos de rostos feminis vistos através da transparência de uma sala de baile; em suma, esses painéis esbatidos de luz, com um fundo artisticamente ensombrado, forneceriam o assunto de uma tela magnífica ou de um romance cintilante; jamais, contudo, o tema destas mal alinhadas linhas! Ah se todos os moradores da Corte se quisessem compenetrar na utilidade de ir atravessar a fase mais quente do verão, em Nova Friburgo. Sim, leitores, ide passar o vosso tédio acolá defronte, no alto daquelas montanhas azuladas. Verei como um grupo de gentlemen e senhoras da melhor sociedade esforçar-se-á por vos fazer esquecer um pouco da vossa vida pacatamente burguesa, com juma amabilidade e um espírito verdadeiramente adoráveis. Voltareis de lá alegres, com o coração talvez ferido por alguma loura saudade; mas com os pulmões arejados por um oxigênio tonificante e puro. Foi o que nos sucedeu.”

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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