A vila de Nova Friburgo: precioso torrão

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Parte 2

Prosseguimos na transcrição de uma deliciosa crônica de fins do século XIX, publicada no periódico Brazil Illustrado pelo estudante de engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro Adolpho Hartmann. Partindo da Corte, ele faz uma narrativa de sua viagem até Nova Friburgo analisando as condições materiais da estrada de Ferro Cantagalo, a paisagem local e quando chega à vila serrana, aspectos de sua vida cotidiana. Transcrevo a crônica, suprimindo alguns extratos de pouca importância: “De Cachoeira para cima opera-se uma mutação lenta e gradativa no vasto panorama circundante. O cenário não se transforma bruscamente. Os efeitos surpreendentes de sombra e colorido, a variedade e novo aspecto das formas naturais, as deformações do solo, e os pequeninos detalhes de mise-en-scène: tudo isto parecia estudado com esmero, ensaiado a capricho e montado artisticamente, como nas mágicas teatrais, para produzir uma impressão estética e duradoura aos olhos estupefados dos espectadores. Natura non facit saltus.

Todas essas perspectivas que se desenrolam com uma sucessão lógica ao longo do Vale do Macacu, cujas águas límpidas e marulhosas rolam sobre um leito de rochas que nascem à flor do terreno de tons avermelhados; todos esses painéis assombrosos, em que o ponto de vista varia a cada instante, à medida que se sobe, são realmente lindos; mas brutais, fatigantes e esmagadores. Com efeito, desde a estação da Vila-Nova até a de Cachoeiras, que fica a 48,22m de altitude, a linha segue o vale do Rio Macacu, no qual ela desenvolve-se até o Alto da Serra, situado a 1.080,58m acima do nível do mar. Nesse importante trecho (...) empregou-se o condenado sistema Fell, os declives chegam até 10% e as curvas descem até raios de 25m: o que se pode chamar um tour de force inaudito, tornando-se por isso a ascensão difícil e muitas vezes perigosa. (...) Demais, justamente por causa da subida muito íngreme, os velhos trilhos de ferro gastavam-se depressa, sendo renovados de três em três meses mais ou menos. Consumia-se assim grande parte da renda da estrada, com a conservação da linha, nesta seção, que vai da Boca do Mato até o ponto culminante da via permanente. Tornou-se preciso estancar semelhante fonte de despesas e empregar os atuais trilhos de aço Bessemer, que só se deterioram no fim de três anos aproximadamente. Não são pois raros os desastres ocasionados ao galgar essas rampas fortíssimas, em que os alinhamentos curvos de raios tão diminutos multiplicam-se à borda de precipícios insondáveis, nas depressões profundas e sombrias rasgadas nos seios dos rochedos, onde se cavam os desbarrancados junto de despenhadeiros horríveis. Enquanto o monstro de aço contorcia-se, soltando gemidos estridentes ao cavalgar o dorso da penedia, nós contemplávamos absortos e pensativos a paisagem esplêndida, feérica, cintilante e grandiosa, onde avulta a floresta densa das árvores gigantescas; ou ouvimos atentos o sussurro longo e monótono das catadupas, cujos ecos casavam-se ao ruído áspero da locomotiva, num dueto estranho. Estamos no Alto da Serra onde se acham estabelecidas as oficinas para os reparos necessários ao material rodante da estrada. Ali opera-se a divisa das águas e a temperatura baixa consideravelmente. A vista dilata-se por uma área mais ampla e goza-se de um bem-estar confortável. Depois, principia-se a descer suavemente através do vale do Rio Santo Antônio até Nova Friburgo(...) externemos rapidamente a nossa opinião de conjunto a respeito da estrada de ferro Cantagalo. A impressão que a visita dessa via-férrea fluminense deixa no espírito do observador é a princípio péssima; por fim boa e favorável. Realmente, a linha além de ser pobre em obras de arte, tem graves defeitos de traçado, tais como curvas muito apertadas e rampas de 8% a 10%; defeitos que, reunidos ao deplorável emprego da disposição Fell, em excesso complicada, deram um resultado totalmente negativo. Mas as belezas naturais e as dificuldades vencidas, à proporção que se caminha para a ponta dos trilhos, servem de uma espécie de compensação.(...) Voltemos para Friburgo.” Na próxima semana, última parte.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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