Viajantes: cotidiano e história—Parte 4: O salubre e delicioso vale

quinta-feira, 14 de março de 2013

Dando continuidade à viagem de Johann Jakob von Tschudi (1818-1889), que percorria  o interior da província do Rio de Janeiro com a missão de relatar ao governo de seu país as condições de vida dos colonos suíços, chega ele finalmente à vila de Nova Friburgo. Após nove horas de marcha a cavalo, seguindo o curso do Rio Negro e passando por barrancos e vales estreitos, Tschudi chega à vila, situada a oito e meia léguas de distância de Cantagalo. Hospeda-se na estalagem de Gustav Leuenroth, a mesma que o naturalista alemão Hermann Burmeister, quando visitou Nova Friburgo, em 1851, se instalara: “Nova Friburgo estende-se numa ampla bacia, emoldurada por montanhas cobertas de densa vegetação e a leste da cidade há alguns cumes estéreis e desnudos, rochosos, apontados para o céu. Diz a tradição que na queimada de uma nova roça, depois de prolongada estiagem, o fogo se alastrou de modo imprevisto, indo atingir as árvores desses rochedos. Em seguida vieram fortes chuvas, que levaram a terra que os recobria e desde então assim ficaram, despidos. Daí o nome de morro queimado dado à região. (...) Pouco abaixo da confluência está a vila de Nova Friburgo, numa dupla fila de casas formando um retângulo. A maioria dos prédios é construção simples e aparência um tanto pobre. A residência que mais se destaca é a do Sr. Antônio Clemente Pinto, que ele mandou construir atrás da vila de que tirou seu título de baronato”.
Tschudi encanta-se com a vila e suas montanhas, com a paz bucólica e faz uma observação sobre o clima: “O clima de Nova Friburgo é temperado e saudável (...) Posso apenas dizer que, segundo as minhas observações nesse espaço de tempo, a temperatura média foi de 15,5 R”. Em meados do século XIX, Nova Friburgo devido à salubridade de seu clima recebia, além de tuberculosos, veranistas da Corte: “As vantagens climáticas desse delicioso vale atraem anualmente grande número de veranistas desejosos de fugir ao calor sufocante da metrópole. Eu, como homem simples, daria preferência a Nova Friburgo antes que a Petrópolis, no mínimo para evitar a descomunal falta de higiene da maioria das hospedarias de tal predileto local de veraneio. As hospedarias de Nova Friburgo superam em tudo as de Petrópolis, merecendo o hotel do Sr. Leuenroth menção honrosa. (...) A comida é limpa, boa e abundante. O serviço é dos melhores que se possa encontrar num hotel brasileiro, o que aliás é um conceito bastante limitado, visto que é feito por negros, mas para tal não há remédio. A amabilidade, a atenção e a delicadeza do hospedeiro e sua família compensam plenamente as lacunas. Os preços são módicos e mais baixos que os de Petrópolis, lugar este que tem como vantagem única a proximidade da capital.”
Além da hospedaria de Leuenroth havia as de Mme. Claire, Guilaume Salusse e a de Francisco José de Magalhães. Tschudi observa que os serviços médicos, de artesãos e igualmente o comércio eram plenamente satisfatórios. Menciona o famoso Instituto Colegial Freese, do inglês John Henry Freese, fundado em 1º de julho de 1841, que o naturalista alemão Burmeister também visitara. Naquela ocasião o colégio se achava sob a direção dos brasileiros Cristóvão Vieira de Freitas e do Coronel Emílio das Neves. Como acreditava-se que o clima era um fator determinante para o melhor desempenho educacional, renomados educadores estrangeiros instalaram seus estabelecimentos de ensino na vila de Nova Friburgo. Além do inglês John Freese, o famoso pedagogo alemão Barão Tautphaeus, citado como um dos maiores educadores por Joaquim Nabuco, instalou o Colégio São Vicente de Paula, que ficava sob a sua direção. 
Observa que a maioria da população da vila de Nova Friburgo era formada por estrangeiros naturalizados. Porém, estavam alijados da participação política, “dada a ativa vigilância dos brasileiros e o exaltado e zeloso sentimento de nativismo(...)Entre os 57 funcionários municipais de todas as categorias, apenas dois estrangeiros naturalizados, apesar deles perfazerem mais de um terço da população total do município! Já me referi a idêntico fenômeno, mas não sei se em Nova Friburgo os motivos são os mesmos. Cheguei, entretanto, à conclusão de que o indiferentismo e a falta de coesão, de um lado, e a atividade, as intrigas e a ambição política ilimitada, de outro, são as causas desse estado de cousas. Na política, devemos ainda acrescentar a animosidade existente contra o elemento estrangeiro, embora naturalizado, o que se nota em todo o Brasil.”  
Recordando que Tschudi, na qualidade de embaixador suíço, percorria a região para fazer um relatório sobre a situação dos colonos suíços, fez uma crítica ferrenha ao processo de colonização. Cita como fontes a “Revista Trimestral de História e Geografia”, 1849, sob o título de Breve Notícia sobre a Colônia de Suíços Fundada em Nova Friburgo, de Tomé Maria de Fonseca e Silva e o relatório do juiz João Luiz Vieira Cansanção de Sinimbu, intitulado Notícia das Colônias Agrícolas Suíça e Alemã fundada na Freguezia de São João Baptista de Nova Friburgo, de 1852: “A história de Nova Friburgo é a mesma história de todas as tentativas de colonização em grande escala feitas no Brasil (...) Apesar do novo regime governamental, apesar das infelizes experiências em assuntos de colonização, os homens responsáveis pelo estado de tais iniciativas não parecem ter aprendido, nem aproveitado. Deparamos, assim, por 40 anos, com a mesma indiferença, o mesmo desleixo, as mesmas medidas irrefletidas, o mesmo resultado ínfimo conseguido com despesas máximas. Pode-se até admitir que o governo despótico e desconfiado de Portugal procedeu de forma mais humana e tolerante do que muitos ministros do Império liberal e independente, nas questões atinentes à colonização.” 
Continua na próxima semana com a matéria “O fracasso da colonização suíça”.
  
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “Histórias da História de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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