Viajantes: cotidiano e história—Parte 2: O fim da lavoura branca

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Parte II

O FIM DA LAVOURA BRANCA

Johann Jakob von Tschudi (1818-1889), embaixador suíço no Brasil, percorrendo o interior da província do Rio de Janeiro com a missão de relatar ao governo de seu país as condições de vida dos colonos suíços, nos legou um interessante relato sobre o cotidiano da vila da Nova Friburgo e de Cantagalo, na segunda metade do século XIX. Chegando a Cantagalo, descreve ser Antônio Clemente Pinto, o barão de Nova Friburgo, o mais rico fazendeiro, não só da região, como de todo o Brasil. É português de nascimento e como centenas de seus conterrâneos, veio para o Brasil sem vintém, “...trabalhava como moço de recados numa das lojas do Rio de Janeiro, quando, por feliz acaso, caiu nas graças de um rico fazendeiro, que se tornou seu protetor e o ajudou a estabelecer-se por conta própria. A boa sorte o acompanhou em todos os seus empreendimentos. Especulações bem-sucedidas na compra e venda de escravos e outros negócios tornaram-no dono de fazenda e homem abastado. A mesma história de sempre e que sempre se repete. Circulam muitas versões quanto a natureza de seus negócios e do modo por que chegou a ser possuidor de tão avultada riqueza. Não temos nenhum interesse na investigação do caso, nem de examiná-lo. O novo rico é em toda a parte do mundo objeto de inveja e maledicência, chegando-se, muitas vezes, a propalar acusações de que a maneira por que enriqueceu não foi lícita, que foram escusos os meios, etc. O que acontece, em muitos casos, no Brasil, onde existe mesmo um provérbio bastante malicioso que diz quem furtou pouco fica ladrão, quem furtou muito, fica barão, o que bem ilustra o pensamento do povo”.
Tschudi observa que as culturas de milho, mandioca, feijão e arroz, “tão necessárias para a alimentação da população”, ficaram prejudicadas devido à preferência dada às culturas do café e do açúcar, bem mais lucrativas. Nesse aspecto, ele faz uma análise crítica da monocultura do café em detrimento da cultura de produtos da alimentação básica, que corroborou com a falta desses produtos no mercado interno: “Quando o café atingiu, em 1852, uma cotação elevadíssima, os fazendeiros acharam mais conveniente concentrar todos os seus esforços na sua cultura, em detrimento das outras, tão preciosas para a alimentação, preferindo comprar ou importar os produtos que não compensavam então o trabalho. Esses cálculos foram exatos na época, pois as somas conseguidas com as safras cafeeiras não só permitiam tais aquisições, como ainda deixavam lucros consideráveis. Seduzidos com tais exemplos, mesmo aqueles fazendeiros que nunca tinham plantado café, resolveram fazê-lo, dedicando-se, em detrimento dos produtos mencionados, ao plantio da rubiácea. O número de produtores de outros alimentos diminui assim anualmente, enquanto que o dos consumidores aumentava de ano em ano, de acordo com o crescimento da população. A reação não se fez esperar. Os gêneros de primeira necessidade subiram de preço e, decorridos apenas alguns anos, o aumento foi de 100 a 200%. O Brasil cultivava muito café, mas poucos gêneros alimentícios, tornando-se afinal necessário importar milho, arroz e feijão dos Estados Unidos da América do Norte e da Europa.”
Segundo Tschudi, retornar ao cultivo do milho, mandioca, feijão e arroz, a lavoura branca, era difícil já que as vastas áreas de terras ocupadas pelos cafezais e as inovações feitas nas fazendas não permitiam aos fazendeiros dedicar-se às culturas antigas: “Algumas safras insuficientes fizeram subir os preços dos gêneros alimentícios de tal modo, que os fazendeiros tiveram que despender grandes somas para adquirir os gêneros necessários à alimentação dos seus escravos. Já relatei no meu segundo volume que alguns fazendeiros da província da Bahia se viram forçados a vender uma parte de seus escravos, para poderem alimentar os restantes (...) Um país agrícola, que não possui indústria e se vê na contingência de importar gêneros alimentícios para abastecer sua população, comprando tais produtos a preços elevados, deve sofrer naturalmente grande abalo, não obstante sua posição aparentemente brilhante concernente a certos ramos de sua agricultura”.
Sobre a escravidão faz uma análise sobre o seu fim e o impacto na economia cafeeira do Brasil. A lei Eusébio de Queiroz, de 1850, que proibia o tráfico de cativos, basicamente iniciara o processo de emancipação dos escravos, e isso não escapou da análise do embaixador. Observou que nove décimos do café produzido no Brasil eram provenientes do braço escravo: “Se admitirmos que tal problema [escravidão] fosse solucionado em favor destes[escravos], o Brasil contaria apenas com 1/10 para as suas culturas cafeeiras e a exportação ficaria reduzida a um mínimo, se não conseguisse substituir esse elemento pela colaboração do braço livre. Não é lícito supor que o escravo uma vez libertado se dedique ao cultivo do café, tão odiado por ele, nem que se empenhe em adquirir lotes de terras. Assim sendo, a cultura do café dependeria quase que unicamente dos colonos estrangeiros. De quantos colonos precisa-se, entretanto, para se obter uma colheita de 2 milhões de sacas? O colono livre, ainda pouco acostumado a essa cultura, e que forçosamente tem que plantar também os produtos de que precisa para sua manutenção, nunca poderá cultivar mais do que 1000 pés de cafés (...) precisar-se-ia, pois, de 40.000 famílias para tal fim. Quem conhece a situação colonizadora do Brasil percebe logo que é humanamente impossível atrair e estabelecer tão grande número de colonos ao Brasil (...) Tais motivos induzirão o Brasil a manter a escravidão custe o que custar, cedendo o mais tarde possível à pressão da opinião pública e às leis naturais do direito das gentes”.
Tschudi faz uma análise que corresponde exatamente ao que ocorria à época, ou seja, o preço de um plantel de escravos valia muito mais do que a própria terra, mormente depois da proibição do tráfico: “O capital do fazendeiro é na maior parte representado pelo número de escravos que possui (...) O valor de uma fazenda aumentou de 1851 para cá de 100%, devido ao aumento no preço dos escravos e do café.” 
Na próxima semana, a matéria “Bacalhau na barriga e nas costas”.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “Histórias da História de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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