Viajantes: cotidiano e história - Última parte

quinta-feira, 28 de março de 2013

O CLIMA DA COLÔNIA, SEU ÚNICO LOUVOR

Johann Jakob von Tschudi (1818-1889), embaixador encarregado de relatar ao governo da Suíça as condições de vida dos colonos suíços, na segunda metade do século XIX, conclui finalmente o seu relatório. Descreve que enquanto os colonos dirigiram suas queixas ao príncipe-regente, simultaneamente Monsenhor Miranda apresentava ao governo, em 9 de julho de 1820, um memorandum, no qual tentava desculpar-se e justificar-se quanto às medidas que tomara. A decisão do Príncipe-Regente foi tão razoável quanto liberal, assim entendeu Tschudi. Em agosto de 1821 facultava aos colonos permanecer ou abandonar a colônia. Aqueles que desejassem terras fora da colônia recebê-las-iam do Estado, preferencialmente nas proximidades do distrito colonial, e em quantidade correspondente à capacidade de trabalho de cada um: “Em conseqüência de tão razoável solução do conflito, grande parte das famílias resolveu abandonar a colônia. Dirigiram-se mais para o norte, radicando-se como agricultores nas férteis regiões de Cantagalo até as margens do rio Paraíba. Muitos deles chegaram mais tarde a ser ricos fazendeiros. Somente os mais pobres, que não tiveram recursos para abandonar a colônia, ficaram em Nova Friburgo; também alguns que não quiseram abandonar as terras que já cultivavam e tinham esperanças de um futuro melhor.”  
A seguir, discorre sobre a tentativa de reanimar a colônia com a vinda de alemães em 1824, promovida pelo Imperador Pedro I. No entanto, faz severas críticas ao novo empreendimento:“Se os contratos firmados com o governo suíço primavam pela simplicidade, clareza e vantagens oferecidas, estes primavam pela obscuridade, ambigüidade e desvantagens. Este contrato, que reproduzo apenas em resumo, não é mais do que um embuste, com mil cores atraentes entremeado de frases bajuladoras, destinado a ludibriar os pobres camponeses, encobrindo as condições desvantajosas. É possível que tal contrato tenha sido já preparado com tal intuito, em nome de Sua Majestade, o Imperador, embora o governo nada tivesse a ver com ele por se tratar de colônias particulares, ou então, tramou-se, desde o início uma chantagem(...)Tinham-lhes prometido em contrato que seriam levados para as margens férteis dos rios Caravelas e Viçosa, mas chegados ao Brasil, transportaram-nos para as terras estéreis de Nova Friburgo!(...)Quanto a este, parece que nunca teve a intenção de levar os colonos para Leopoldina, mas sim, satisfazendo a desejos do governo, reanimar a colônia de Nova Friburgo, cuja fama, obtida através de notícias levadas para a Europa, não era de molde a atrair novos colonos. Assim Leopoldina serviria de isca.” Consta que o eclesiástico Monsenhor Miranda, assim que os colonos chegaram a Nova Friburgo, confiscou-lhes os contratos alegando que iria depositá-los nos arquivos, a fim de que esses se vissem privados de qualquer documento para fundamentarem suas reclamações, ficando impossibilitados de defender os seus direitos.  
Com a chegada dos colonos alemães a Nova Friburgo, uma nova distribuição de terras foi realizada. Tschudi critica a exígua extensão de datas de terras que fora distribuída aos colonos alemães, não bastasse a sua má qualidade. Não receberam igualmente sementes e animais domésticos e as medições só foram concluídas decorrido um ano. Consequentemente, mais de metade colonos alemães, assim como os suíços, abandonaram a colônia. Segundo os dados fornecidos pelo chefe de polícia Quivremont, um terço dos colonos, alemães e suíços, que somavam 2.025 indivíduos, tinham abandonado, em 1825, as novas terras: “Os resultados promissores obtidos em outras regiões da província e o incremento da cultura do café no distrito de Cantagalo, levaram igualmente muitos dos colonos a abandonar, nos anos subseqüentes, Nova Friburgo.” Em conseqüência desse êxodo, o Governo Imperial dissolveu, em 1831, a administração da colônia de Nova Friburgo. Os colonos que permaneceram dedicaram-se a criação de animais domésticos, às culturas do milho, batata e feijão, por ser o clima não muito favorável ao plantio do café: “Estes produtos encontraram bom mercado em Nova Friburgo e eram também procurados pelos tropeiros que vinham dos distritos cafeeiros, bem como de Cantagalo e da Capital.” A economia local girava ainda em torno da fabricação de manteiga, queijo, o cultivo da lavoura branca, hortaliças, criação de gado, aves e porcos, cujo toucinho era vendido no mercado do Rio de Janeiro. Os colonos que obtiveram terras férteis conseguiram ao longo dos anos melhoria nas condições de vida. No entanto, entre os colonos mais velhos, alguns dependiam da caridade pública. A Sociedade Beneficente Suíça do Rio de Janeiro enviava dinheiro para ser distribuída entre os colonos indigentes de Nova Friburgo. 
Tschudi conclui que o fracasso do regime de colonato deve-se fundamentalmente a escolha pouco escrupulosa das terras, já que um exame, ainda que superficial, teria revelado a deficiência das terras: “Não podemos deixar de classificar a colônia de Nova Friburgo entre as tentativas frustradas de colonização. Se os poderes públicos tivessem sido mais felizes na escolha das terras, a colônia teria tido grande impulso, pois milhares de outros imigrantes teriam afluído da Suíça, mas isto não se deu. Apesar de tudo, deve-se reconhecer que esta tentativa teve grande influência no desenvolvimento de Cantagalo. Foi somente com esta colonização que as ricas possibilidades agrícolas de Cantagalo se tornaram acessíveis ao mundo, com a construção de estradas de ferro, de rodagem e outros meios de comunicação, o que permitiu o afluxo de maior número de habitantes para a região, a fim de explorar as suas riquezas, investindo contra a selva, plantando café e introduzindo os métodos mais modernos no preparo final deste produto.(...)O projeto de D. João VI deu bons resultados, mas se tivesse ainda contado com colaboradores e poderes executivos inteligentes e bem intencionados, os resultados obtidos teriam sido magníficos.” Por fim, mencionando um homem que teria a idade de 136 anos, atribuiu a longevidade dele e a de tantos outros habitantes do lugar, ao bom clima da colônia, “único louvor que se pode fazer dela”. 

 Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “Histórias da História de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.