Viajantes: cotidiano e história - Parte V - O FRACASSO DA COLONIZAÇÃO SUÍÇA

quinta-feira, 21 de março de 2013

Johann Jakob von Tschudi (1818-1889), embaixador suíço no Brasil com a missão de relatar ao governo de seu país as condições de vida dos colonos suíços, visitou a vila de Nova Friburgo, na segunda metade do século XIX, descrevendo a situação dos mesmos. Tschudi critica as terras escolhidas no distrito de Cantagalo para o estabelecimento do núcleo colonial dos suíços: “A infeliz escolha, provavelmente por insinuação real, recaiu sobre duas sesmarias a oeste de Morro Queimado e as fazendas adjacentes, às quais se juntaram mais duas: São José e Córrego das Antas. (...) Designou-se como sede da futura povoação a fazenda do Morro Queimado, onde foram logo iniciados os trabalhos de construção de 100 casas provisórias, para abrigar os colonos, no vale do rio das Bengalas. Ademais destas casas construíram também a residência do inspetor, a municipalidade, um armazém, um hospital, um moinho e um forno para cozer tijolos. Na serra dos órgãos foi instalado um quartel de polícia, o posto alfandegário e foi ainda procedido o conserto da estrada e construídas as pontes (...)Por decreto lavrado em 3 de janeiro de 1820, o povoado recebeu o nome de Nova Friburgo”. 
Menciona, a seguir, a grande mortandade dos suíços antes da subida da serra: “O pantanoso vale do rio Macacu é uma das regiões mais insalubres do Brasil, tendo sido já a população indígena dizimada pelas febres e o impaludismo que infestam a região. Os miseráveis caminhos, tornados intransitáveis pelas abundantes chuvas, a temperatura sufocante do vale, os miasmas venenosos dos pântanos e as grandes fadigas, não deixaram de exercer sua ação nefasta sobre os imigrantes. No hospital de vila de Macacu, principal lugar desse vale pestilento, morreram 31 pessoas, entre os quais o padre Aeby, e nos primeiros nove meses após a chegada dos colonos a Nova Friburgo pereceram mais de 146 pessoas, a maioria em consequência das penas sofridas e das intoxicações febris trazidas do vale do Macacu.”
Mesmo com o alto índice de mortalidade dos colonos suíços desde a sua partida para o Brasil, o seu número excedia ao previsto, ou seja, o de cem famílias: “Os inspetores resolveram, pois, agrupar os colonos de modo a formar de modo arbitrário as cem famílias; juntavam os solteiros, por motivo de amizade, proteção ou parentesco a uma ou outra família, formando as chamadas famílias artificiais. Cada família passou a contar com 17 pessoas. Assim puderam distribuir as casas e lotes a esses grupos artificiais, mas este procedimento leviano foi a causa de grandes divergências posteriores e a ele se pode atribuir parte do fracasso dessa primeira tentativa de colonização.” 
Depois de demarcadas e numeradas as datas de terras, procedeu-se ao sorteio entre as famílias. A extensão das datas de terras fora mais que suficiente, mesmo para as famílias artificiais, para assegurar-lhes a sobrevivência, uma vez bem trabalhadas e cultivadas. Porém,  a qualidade das datas de terras não eram de molde a satisfazer nem as mais modestas aspirações de um agricultor, observou, visto serem em terreno íngreme e pedregoso, sulcado de estreitos vales, apresentando como única vantagem os abundantes cursos d´água: “Não sei a quem atribuir a escolha tão infeliz do local da colônia, se à ignorância ou ao desleixo. Estou, entretanto, inclinado a crer que se procedeu de acordo com o frio cálculo e ideias preconcebidas, que se podem resumir da seguinte maneira: essas terras não têm para nós nenhum valor, mas os pobres colonos suíços as tornarão cultiváveis e as aproveitarão, pois a miséria os obrigará a tal. Não posso, de nenhum modo, absolver o agente de Friburgo, também, porque lhe cabe a culpa de haver procedido de modo irresponsável e leviano: era obrigação sua ir visitar as terras e verificar se elas satisfaziam às exigências e se eram úteis ao fim a que se pretendia destiná-las. A algumas das famílias couberam no sorteio terras tão estéreis e pedregosas, que nem uma horta era possível cultivar nelas. Tais terras tiveram que ser abandonadas, transferindo-se os colonos para uma das parcelas de reserva. Mais tarde ainda foi necessário efetuarem outras trocas semelhantes, pois havia famílias que não conseguiam tirar o mínimo de que precisavam nas terras que lhes tinham cabido.” 
Destinou-se cem lotes para a distribuição imediata entre as famílias artificiais, reservando-se vinte para as famílias que porventura tivessem recebido terras impróprias para o cultivo, possibilitando a troca. Ainda assim, não se evitou a evasão dos suíços para outras regiões, fora do núcleo colonial. Os colonos igualmente não receberam as sementes mencionadas no contrato, ou as receberam em quantidades insuficientes, nem tampouco o gado prometido, não havendo ainda regularidade no pagamento dos subsídios: “Pouco depois da distribuição das terras, quando os colonos se foram convencendo da pobreza do solo, as famílias artificiais começaram a desintegrar-se. Os solteiros abandonavam a colônia; os sem profissão alistavam-se no exército ou procuravam trabalho como diaristas; os artífices encontravam trabalho nas localidades próximas; os restantes iniciaram uma vida peregrina, de província em província. A deserção continuada dos colonos era muito desagradável ao inspetor da colônia, Monsenhor Miranda, pois era a prova das deficientes condições da colônia, cujo principal culpado era ele. Tentou, pois evitar as deserções, adotando mesmo os mais duros expedientes, com o que apenas conseguiu exaltar o ânimo e a revolta dos colonos, que deu ocasião a sérios distúrbios.” 
Continua na próxima semana com a matéria “O clima da colônia, seu único louvor.”

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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