Vagabundos infestam Nova Friburgo

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

"Não só nesta cidade, como em vários pontos deste município avulta um número de indivíduos sem ocupação, verdadeiros vagabundos, e que podem ser aproveitados no serviço da lavoura ou outros de onde possam tirar meios de subsistência, sem incomodar ao próximo”(O Friburguense, editorial "A Polícia”, 30/04/1893). De acordo com o periódico, havia em Nova Friburgo uma horda de "vagabundos”, de ambos os sexos, que passavam os dias em casas de negócio, encostados nos balcões ou sentados sobre barris, discutindo e embriagando-se. Não trabalhavam e proferiam obscenidades sem respeitar as famílias que circulavam pelo local. A Rua do Arco e outros pontos de suas imediações eram os locais favoritos desses indivíduos que faziam timbre de capoeiragem. O que estaria acontecendo em Nova Friburgo naquele final do século XIX? Quem seriam os vagabundos a que se referia a imprensa local? Para entender o problema social de Nova Friburgo, vamos procurar saber o que ocorria no país naquele período.

No Brasil, um país com quase quatro séculos de escravidão, último a abolir o cativeiro, a desorganização do trabalho era patente. De um lado, a escravidão impedia que homens livres obtivessem trabalho na grande lavoura, e por outro, o potentado rural expulsava o posseiro, o pequeno proprietário, e tomava sua terra para "arredondar” os seus inúmeros latifúndios. Não bastasse isso, o estigma de certas atividades laborais, presentes no inconsciente coletivo como "trabalho de preto”, impedia que o homem livre, por mais miserável que fosse, realizasse tarefas feitas normalmente por escravos. Do ponto de vista social, mestiços como cafuzos, mamelucos e mulatos, e ainda africanos forros, eram discriminados pela elite branca, que não os admitia em seu meio. Serão eles que formarão um grupo incoeso, flutuante e nômade ao qual provavelmente se referia a imprensa friburguense. Havia motivo para se temer tais homens. Será a plebe marginalizada da organização do trabalho que fornecerá abundantemente homens para compor os capangas dos potentados rurais, proprietários de latifúndios. Os mestiços eram o viveiro da capangagem senhorial. Cabras, pardos, mamelucos, carijós e curibocas, esses indivíduos dispersos, desagregados, marginalizados da organização social e do trabalho serão cooptados pelos caudilhos territoriais que os subordinam, disciplinam suas rebeldias e aproveitam sua capacidade agressiva para usar contra o gentio, o quilombola, o potentado vizinho, a população morigerada e mesmo contra as instituições governamentais. Com a simples concessão de um retalho de terra e de uma choça de palha congregava-se um exército temível de mestiços. Esse comportamento violento das hordas ou do sicário isolado, que assassina por paga e de ânimo frio, gera as teorias de pureza de raça, colocando esses mestiços como tipos étnicos desprovidos de qualidades eugênicas. Nos séculos XVII e XVIII, cada caudilho era senhor de considerável tropa de centenas, e às vezes de milhares, de negros, índios e mamelucos. No século XIX, e estendendo-se até princípios do século XX, muitos caudilhos ainda podiam ser vistos circulando com uma clientela de capangas. Em razão da expulsão constante do posseiro da pequena propriedade pelos senhores rurais e notadamente quando toda a faina era realizada por escravos, com a exclusão do trabalho livre, tornava-se fácil o aliciamento da plebe ociosa. E prosseguia a imprensa local: "A polícia compete proceder com energia contra certos vagabundos que como os cães infestam as ruas desta cidade” (O Friburguense, 19/04/1891, editorial "Alerta Ainda!”). Pedia-se providências ao Delegado de Polícia para dar cobro aos labregos vadios. Não foram poucos os editoriais da imprensa queixando-se de desocupados que bem poderiam estar fornecendo os seus braços à lavoura. 

Continua na próxima semana.

 

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos

livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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