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Vagabundos infestam a cidade - Última parte
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Na matéria da semana passada, discorremos sobre os editoriais da imprensa de Nova Friburgo, em fins do século XIX, queixando-se de desocupados e capoeiras que grassavam pela cidade. De acordo com a imprensa local, chegavam diariamente de trem a Nova Friburgo, da capital federal, os "amigos do alheio”, infestando a cidade de vagabundos. Os "vadios” andavam a granel pelas ruas da cidade, animados com a indiferença das autoridades policiais que não lhes pediam contas do modo de vida e nem lhes indagavam sobre seus os meios de subsistência: "O delegado de polícia em exercício está providenciando que alguns vagabundos que infestam as ruas desta cidade, ou mudem de ninho ou entreguem-se ao trabalho no menor prazo possível” (O Friburguense, 26/12/1895). Até o século XIX, documentos e testemunhos atestam a desocupação e a ociosidade de boa parte da plebe rural. Já nos reportamos que os quase quatro séculos de escravidão no Brasil impediu que homens livres obtivessem trabalho na grande lavoura e igualmente o potentado rural do latifúndio expulsava o posseiro da pequena gleba terra por ele conquistada. Daí a origem desses desocupados. A organização do trabalho não ocorreu de imediato finda a escravidão. No princípio do século XIX, de acordo com o viajante Eschwege, a proporção entre os "vadios” e a massa da população laboriosa era de um trabalhador para vinte ociosos. Esses ociosos acabaram virando presa fácil dos potentados rurais, que se prestavam como seus capangas. Tschudi escreveu, em meados daquele mesmo século, que havia em todo o Brasil cerca de 200.000 indivíduos, do sexo masculino, que vivem nas fazendas, sem trabalho, sendo instrumento de seus protetores: "Tais indivíduos, os capangas, servem para qualquer desígnio de seus amos, não hesitam diante de qualquer crime e, na época de eleições, funcionam como agentes e guarda-costas do candidato; prestam juramento falso e liquidam a quem se põe no seu caminho...”. Oliveira Viana nos informa, em "Populações Meridionais do Brasil”, que um dado estatístico realizado em 1882, entre as maiores províncias do Império (Rio de Janeiro, Minas, São Paulo, Pernambuco, Bahia e Ceará), revela que a relação entre a massa trabalhadora e os desocupados era de 13 para 45, ou seja, mais de 50% da população composta por desocupados. Havia 1.434.170 trabalhadores livres, para 2.822.583 desocupados. O restante era a população escrava (650.540). Para obrigar as classes populares a buscar um trabalho, uma Carta Régia de 22 de junho de 1766 determinava que os indivíduos sem uma ocupação funcional, denominados de vadios, seriam equiparados aos salteadores e sujeitos às mesmas penas que estes. O Código Criminal do Império reforçará esse artigo. O articulista do hebdomadário, O Friburguense, quando se referia aos "vadios, vagabundos e ratoneiros”, compreendia os indivíduos sem ocupação útil, profissão ou ofício pelo qual tivessem os meios de subsistência, vivendo na ociosidade, vagando pelas ruas e praças com gestos e maneiras acapoeiradas, vivendo da gatunagem e cafetinagem. Pode parecer que o fim da escravidão tenha provocado o deslocamento de ex-escravos para os núcleos urbanos acarretando um problema social. Mas não parece ter sido o caso, já que o articulista esclarece não tratar-se dos "13 de maio”, numa alusão aos escravos libertos pelo fim da escravidão: "Facilmente se encontram certos sujeitos que ninguém os conhece, não se sabe quem são nem d’onde vieram, e passam a vida como uns fidalgotes. O certo é que eles vagam por aí noite e dia, em nada se ocupam, não têm residência, comem e bebem fartamente, andam bem encasacados...” (O Friburguense, coluna "Pif-Paf”, 24/05/1891).
Uma circunstância que pode ter atraído os denominados "vagabundos” a Nova Friburgo era a boa fase em que vivia o município. Em todo o verão, uma população adventícia vindo do Rio de Janeiro migrava para Nova Friburgo fugindo das epidemias de febre amarela. Essa circunstância trouxe grande impulso na atividade comercial e no setor de serviços da cidade. Mas devemos ter os olhos atentos à conjuntura nacional. A perda de mercados outrora dominados pelo açúcar fabricado nos engenhos patriarcais do nordeste, associado a seca de 1877, intensificou a transferência de poder econômico e político do eixo norte para o sul do Brasil. As classes pobres e miseráveis, vítimas do infortúnio da seca e da crise econômica, migraram para o sudeste. Em Nova Friburgo, em vários processos que tive a oportunidade de pesquisar — antes que tivéssemos o infortúnio de ver os processos serem levados do fórum de Nova Friburgo, impossibilitando o trabalho dos pesquisadores locais —, há diversas referências de indivíduos vindos do nordeste para o município. Há que se destacar ainda que a linha de trem facilitava o acesso à cidade. Concluindo, Nova Friburgo não poderia ficar incólume ao flagelo social. Esses desocupados eram viveiro de capangas dos "mandões de aldeia” locais. Conforme Tschudi, o brasileiro rico não suja suas mãos com sangue. Utiliza o capanga, geralmente mestiços, para fazerem o serviço sujo. Manoel Erthal nos informa, em "Bom Jardim”, que na eleição para deputados e senadores daquele município, realizada em 1891, dois importantes fazendeiros da região, adversários intransigentes na política, compareceram à seção eleitoral, cada qual acompanhado de aproximadamente 30 "caceteiros”. Armados de cacetes, esses capangas aguardavam ordens e estavam prontos a mostrar sua valentia ao primeiro sinal dos potentados rurais. Nos parece que, até quase meados do século XX, o Estado ainda não tinha muito controle sobre esses "outsiders” e um verso de Lumiar ilustra bem essa situação: "Tão matando aqui no Sana João Russo, acabando com o valentão, 25 tiros nas costas, sustentando dois revólveres na mão”.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos
livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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