Colunas
Toile de jouy na Nova Friburgo nos anos 50
quinta-feira, 01 de agosto de 2013
Como era Nova Friburgo no ano de 1950? Da leitura do jornal Gazeta de Friburgo, podemos apreender um pouco do cotidiano da cidade. Sabe-se que até 1940, no Brasil, de um modo geral, a população rural era superior à urbana. Observando a geografia da cidade, bairros como o Cônego, Conselheiro Paulino e Amparo eram ainda zonas agrícolas e totalmente insulares. Olaria, o maior bairro operário do município, iniciava seu processo de urbanização com calçamento da rua principal, postes de luz elétrica, água encanada na maior parte das residências, possuindo inclusive um cinema. Poucos anos antes, fora o refúgio da população pobre do município, área temida por endemias que dizimavam sua população. O bairro do Cônego era um arraial, assim denominado na década de 50, e possuía igualmente uma população exclusivamente operária, nos informa o jornal "Gazeta de Friburgo”, de 25 de março de 1950. Havia inúmeras fazendas, com terras úberes, com criações de carpas e extensas plantações de flores, notadamente cravos e rosas. No Cônego já se abriam ruas, aterrando os charcos, iniciando a sua ocupação por algumas residências. Já o bairro de Conselheiro Paulino, criação da Estrada de Ferro Leopoldina, era uma vila de agricultores e lavradores com variados cultivos e ainda com extensas plantações de eucaliptos e pinheiros. A vida cotidiana nesses bairros periféricos era autônoma, pois ainda não circulavam ônibus interligando-os a urbs. Os meios de transporte eram o automóvel, a bicicleta, a charrete e a cavalo. Andar a pé não estava descartado entre os costumes da época para deslocar-se rumo a esses arrabaldes. Conselheiro Paulino tinha a vantagem da linha do trem, já que abrigava uma estação.
A administração municipal engalanava suas praças e teciam-se muitos encômios das pitorescas e aprazíveis redondezas de Nova Friburgo. Era um tempo dos passeios pelos arredores da cidade como o Tingly, o Parque da Cascata (Fundação Getúlio Vargas), Sans Souci, Amparo, Chácara do Paraíso, Granja Spinelli, Véu da Noiva, entre outros. Roteiro muito apreciado era o passeio saindo do Sans Souci, passando pelo Amparo com destino a Chácara do Paraíso. Nessa época, o acesso a Amparo se fazia pela subida das Braunes. A Chácara do Paraíso era o local dos pic-nics desde o final do século XIX, no estilo toile de jouy. Fazia-se o percurso de automóvel (duas horas), charrete (cinco horas) ou a cavalo (quatro horas). O passeio oferecia aos visitantes paisagens lindíssimas. Amparo era uma região de muitos produtores agrícolas que exportavam os produtos de sua variada lavoura para o Rio de Janeiro. O Tingly era, outrossim, um pitoresco arrabalde com magníficas chácaras de flores e caquizeiros. A Granja Spinelli era igualmente um dos roteiros turísticos favoritos da cidade. Ia-se de automóvel, charrete ou a cavalo. Cortando as montanhas, dominando os vales, a cada curva uma perspectiva nova. Era a parada obrigatória dos viajantes e turistas que apreciavam as parreiras carregadas de uvas, destinadas ao preparo do afamado vinho Granjinelli, da família Spinelli. Uma pequena venda à beira da estrada servia aos passantes gostoso café com broinha, milho e o vinho branco fabricado pela granja.
Em 1950, circulavam por Nova Friburgo aproximadamente 550 automóveis e a cidade possuía um modesto campo de aviação (próximo ao Batalhão da Polícia Militar). A Rádio Sociedade de Friburgo, "a emissora das montanhas”, apresentava um número com a soprano Antonia Baia, que cantava um trecho de Madame Buterfly. O auditório da emissora era disponível ao público para assistir às apresentações musicais. O pugilismo, o "boxing”, esporte para homem, estava em alta, tendo como pugilistas afamados na cidade Geraldino Santos, o manager, Manezinho, Café, entre outros. O cinema Eldorado exibia o filme "A Sedutora Madame Bovary”; o cine Marabá "Alguém virá esta noite” e o cinema Leal "Cristovão Colombo”. Na Festa de Santo Antônio, grandes fogueiras crepitavam, balões de papel, fogos de artifício, festa na roça, vestidos de chita, barraqueiros, leiloeiros, bandas de música. A sanfona gemia, caipiras granfinos e sabidos matutos rodopiavam no salão do Colégio Modelo bailando maxixes, mazurcas e quadrilhas. Na Praça do Suspiro, o marulhar da fonte do amor, da saudade e do ciúme, com a sua habitual e poética quietude, sonhador cantinho e pitoresco recanto era ainda um importante espaço de sociabilidade da população. Pelos praças pedalavam o "belo sexo”, os "brotinhos”, correndo céleres em suas bicicletas por entre as árvores e alamedas como ligeiras borboletas. Mas a cidade ainda tinha os seus problemas estruturais. Em meados do século XX, consequência da escravidão, um cronista destacou uma "preta velha” andando pelas ruas da cidade, extenuada, curvada pelo peso dos anos: "Ao mirar aquela feia macróbia, que com certeza nasceu sob os grilhões da escravatura, imaginava, quantas belas ou tristes histórias poderia narrar...” (crônica "Um belo gesto”, Gazeta de Friburgo, 19 de agosto de 1950). Quando chovia, o velho São João das Bengalas costumava se zangar, perder o ar tímido e manso com que sussurrava em seu leito macio e arremessava as suas águas contra as ruas e casas. Era um flagelo periódico. Essa era Nova Friburgo dos anos cinquenta, que não obstante abrigar indústrias de grande porte, instaladas a partir de 1911, ainda possuía em sua paisagem urbana e suas práticas uma estreita conexão com o mundo rural, o qual iria se romper, notadamente, nas décadas seguintes.
Agradeço a Rize e Rogério El Jaick pelo empréstimo de uma série de jornais da Gazeta de Friburgo, que serviu de fonte a essa matéria.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos
livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário