Tiradentes em Amparo: a força da lenda

quinta-feira, 21 de abril de 2016

De acordo com Sandra Pesavento, todo ato fundador tende à sacralização, nascendo assim os “mitos de origem”, articulando uma representação glamourizada dos acontecimentos que deram início a um processo. Na representação imaginária, nasce o mito que com sua força criadora dá sentido, organiza, hierarquiza, seleciona e atribui valores de positividade para construir uma resposta à questão universal que todos indagam: de onde viemos? 

É o que acontece com o distrito de Amparo com a tradição oral de que Tiradentes teria passado por aquela região. Amparo fazia parte da Freguesia de São José do Ribeirão no século 19, e produzia café, milho, feijão e cana de açúcar. Posteriormente foram sendo introduzidas a horticultura, a fruticultura e floricultura. Abastecia o Rio de Janeiro com legumes e verduras e plantações de flores como cravo, rosa, margarida, palma, lírio, saudade eram vistas em sua paisagem.

Sua produção de caqui, lima, tangerina, laranja, banana, pêra, uva, maçã, pêssego e ameixa o colocou como um importante distrito agrícola de Nova Friburgo até a década de 50, do século vinte.   No distrito de Amparo existe a tradição oral de que Tiradentes teria passado por essa região durante a Inconfidência Mineira, o que não corresponde a realidade.

Há igualmente outra versão mais próxima da realidade, a de que teria sido o “amparo” de um inconfidente mineiro chamado Jerônimo de Castro e Souza. Tudo se iniciou com os “causos” contados por Eugênio Gripp, residente nessa região desde 1860, que declarou que o nome “Amparo” já era dado à localidade desde a sua infância e tinha origem na Inconfidência Mineira. Jerônimo de Castro e Souza teria sido camarada de armas de Tiradentes na conspiração e com receio de ser preso, se refugiou em Cantagalo. Teria se estabelecido onde hoje é Amparo, que era Cantagalo à época, dando a denominação ao lugarejo de Amparo pois se julgava “amparado” das perseguições contra os inconfidentes.

Conforme Eugênio Gripp, esses fatos lhe foram narrados por Higgina de Castro Toledo, neta de Jerônimo de Castro e Souza. No entanto, Jerônimo foi um delator de Tiradentes, beneficiado com sesmarias pela Coroa Portuguesa em razão de sua delação na devassa contra os inconfidentes. Nos “Autos da Devassa da Inconfidência Mineira”, Jerônimo denunciou Tiradentes e como prêmio pela delação foi nomeado 1° tabelião da Vila de Cantagalo em 1815. Logo, Amparo foi o “refúgio” de um traidor e não, o “amparo” de um inconfidente perseguido pela justiça portuguesa. No entanto, Jerônimo conseguiu que os moradores da recém-criada Vila de Nova Friburgo acreditassem em sua versão de inconfidente perseguido. Uma lei estadual de 641, de 15 de dezembro de 1938, modificou a denominação de “Amparo” para “Refúgio”, pois era refúgio de traidor da pátria.

Os moradores de Amparo protestaram e diante da pressão, a resolução de número 220, de 6 de abril de 1953, do então prefeito municipal, José Eugênio Muller, restabeleceu o nome para Amparo, em lugar de Refúgio. Não obstante a lenda, o triângulo, símbolo dos inconfidentes, faz parte do brasão de armas do distrito de Amparo.  

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    Eugênio Gripp. 1859-1954

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    Família Toledo, descendentes de Jerônimo

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    Higgina de Castro Toledo, neta do traidor Jerônimo de Castro e Souza

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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