Terra ingrata

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Parte III
Assim que se realizou a divisão das datas de terras, os colonos se estabeleceram em suas respectivas propriedades. No entanto, algumas famílias foram mal aquinhoadas no sorteio, por lhes ter sido dado terreno pedregoso que nem para uma horta tinha solo cultivável. Por portaria do inspetor da colônia, os colonos que haviam sido sorteados com tais terras, impróprias à cultura, receberam outras datas de terras que se achavam disponíveis. No entanto, tal substituição não remediou o problema, pois, de um modo geral, as terras do distrito colonial eram pouco impróprias à agricultura. As duas sesmarias que constituíam o distrito colonial achavam-se absolutamente incultas na época de sua distribuição. As terras eram compostas de muitos morros pedregosos, sujeitos às geadas, e da metade até o topo  absolutamente inférteis em virtude da exposição aos fortes ventos quando despidos de sua vegetação primitiva, que consistia em samambaias. Troncos antigos, folhas secas e outros despojos de uma vetusta vegetação formavam por toda extensão das terras uma camada tão espessa que cobria de muitos palmos o solo mineral passível de produção. 
Terra ingrata, essa era a natureza das terras com que tiveram que lutar os colonos nos primeiros anos de sua localização. O lavrador helvético, não acostumado às terras virgens das florestas do Novo Mundo, diante de uma natureza selvagem, ignorando as novas culturas bem como as estações apropriadas para as sementeiras, ainda enfrentava atemorizado os répteis venenosos que abundam os sertões do Brasil. Em vão lançavam no solo estéril suas sementes que morriam e não germinavam. Nos raros lugares em que brotavam, as culturas eram tão fracas e lânguidas que a colheita mal dava para alimentar a família. Diante de circunstâncias tão adversas muitos dos colonos começaram a esmorecer. Poucos deles, à custa de muito trabalho e perseverança, conseguiram fazer do solo estéril um terreno aproveitável. Nos dois primeiros anos, os colonos maiores de três anos receberam subsídios do governo. Findo esse período ficaram à mercê dos próprios recursos. 
Depois das primeiras tentativas baldadas começaram a abandonar a colônia, driblando as medidas coercitivas do inspetor que se empenhou em obstar a deserção. Alguns foram para povoados para exercer os seus ofícios e outros em busca de terras mais produtivas. Os colonos solteiros alistaram-se na legião estrangeira e em outros corpos de linha; os mestres de ofícios estabeleceram-se na Corte, em Niterói, Campos e outros povoados. Os agricultores procuraram as terras de Cantagalo onde a plantação de café começava a surgir dando sinais de uma lucrativa cultura. Somente permaneceram na colônia os que por idade, peso de família e perseverança os impedia de se aventurar em nova migração por terras e lugares estranhos. Em 1839, havia na colônia suíça 701 indivíduos. Diante do movimento progressivo dos colonos de abandono de suas terras houve apreensão por parte da inspetoria sobre a possibilidade do desaparecimento da colônia. Remediou-se essa situação com a chegada, em 1824, de colonos alemães para ocuparem os “números” abandonados pelos colonos suíços.  
No ano de 1824, por ordem de Sua Majestade Imperial D. Pedro I, colonos alemães foram mandados para Nova Friburgo a fim de serem incorporados à colônia suíça. Segundo os colonos alemães, todos os seus documentos e contratos foram recolhidos e depositados nos arquivos coloniais, por ordem de monsenhor Miranda e nunca mais lhes foram restituídos. Mas por feliz acaso, o septuagenário colono alemão Jonas Emmerich tinha um original desse contrato, realizado em Frankfurt. Um ano antes, em 1823, D. Pedro I encarregou o major George Antônio Schaeffer de contratar colonos alemães para o Brasil. O seu destino seriam as colônias Leopoldina e Frankenthal já estabelecidas desde o ano de 1816, às margens dos rios Caravelas e Viçosa, na província da Bahia, em terras pertencentes ao major Schaeffer e Guilherme Freioisa. Não se sabe por que os dois navios “Argos” e “Caroline” foram desviados de seu destino para seguirem para o Rio de Janeiro. 
Monsenhor Miranda, que já havia sido demitido do cargo de inspetor da colônia suíça, foi encarregado de receber esses novos colonos e dar-lhes destino. Nessa ocasião, foi nomeado inspetor geral da colonização estrangeira na província do Rio de Janeiro. Em 3 de maio de 1824, chegaram 342 colonos alemães a Nova Friburgo, sendo 195 do sexo masculino e 147 do sexo feminino. Foram expedidas ordens para se proceder à medição e divisão de novas terras, caso não fossem suficientes as que se achavam abandonadas pelos colonos suíços. Receberiam igualmente subsídios durante os dois primeiros anos. As chuvas e outras circunstâncias imprevistas atrasaram a divisão das terras de sorte que apenas em meados de 1825 concluiu-se a distribuição. Essa demora desmotivou os colonos por não poderem entrar logo na posse e gozo de suas terras. 
Não obstante chegarem sob auspícios mais favoráveis, com algumas dificuldades já vencidas, os colonos alemães igualmente começaram a abandonar a colônia. Metade deles  seguiu as pegadas dos suíços, a procura de melhores terras em diversos lugares. O desenvolvimento da cultura do café, em Cantagalo, provocou uma progressiva deserção dos colonos alemães, para onde muitos afluíram. Quem visitasse alguns lugares de Cantagalo, nas margens do rio Paraíba, presumiria que ali, e não em Nova Friburgo, é que foi estabelecida a sede primitiva da colônia. Na próxima semana a matéria “A salubre Nova Friburgo: Novo mercado para os suíços.”

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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