Solidariedade, voluntariado e história - 27 de janeiro 2011

domingo, 31 de julho de 2011

Pode parecer um paradoxo, mas na tragédia ocorrida no dia 12 de janeiro desse ano, existe algo de bom: a solidariedade. Esse espírito predominou em pessoas físicas, jurídicas, privadas e públicas. No episódio do Complexo do Alemão derrubou-se o mito de que o Estado não atingia determinadas zonas geográficas dominadas pelo tráfico de drogas. Esse mito foi destruído devido à conjunção de forças federal, estadual e municipal. A catástrofe ocorrida em Nova Friburgo, igualmente demonstra que quando o poder público federal, estadual e municipal trabalha uníssono, o resultado é extremamente positivo. Assistimos em nosso cotidiano, circulando pelas ruas e arrabaldes da cidade, um préstito de caminhões do Exército, da Cruz Vermelha, do Corpo de Bombeiros, viaturas de diversos batalhões da Polícia Militar, do Bope, caminhões da Comlurb do Rio de Janeiro, inúmeras retroescavadeiras, caminhões munck e helicópteros. Habituamo-nos a esse cenário de guerra de tal forma que, depois de três dias, as sirenes dos veículos já não chamavam tanto a atenção dos transeuntes. Muitas empresas privadas comprovaram que a “responsabilidade social” existe na prática. Citar nomes dessas empresas seria relacionar desde grandes construtoras a redes de supermercado. Um pequeno empresário de Franca(SP) veio, anonimamente, e instalou uma cozinha industrial na cidade, um auxílio providencial já que as escolas não estavam dando conta de alimentar desabrigados e o pessoal de apoio. Muitos friburguenses dispuseram-se como voluntários e foi fundamental para a distribuição dos donativos e preparo de alimentos. As redes sociais foram importante mecanismo para a arrecadação de donativos aos desabrigados. Mas qual era o papel da solidariedade e do voluntariado no passado?

O povo brasileiro até as três primeiras décadas do século XX, sempre viveu à sua própria sorte. Mas como ficava uma família que perdia o seu provedor? A assistência social dada pelo Estado, no modelo que conhecemos atualmente, passou a existir somente partir do governo Vargas, na década de 30 do século XX. Foi quando surgiu a previdência social(aposentadoria), a carteira de trabalho, o auxílio maternidade e outros benefícios. Antes disso, as funções, atualmente, inerentes ao Estado eram praticadas pelas sociedades de Socorros Mútuos, Corporações e Caixas Beneficentes para o auxílio dos trabalhadores. No campo da organização do trabalho havia no município o “Centro Operário de Nova Friburgo”, fundado em 1892, e a “Sociedade União Beneficente Humanitária dos Operários”, fundada em 1893 e que existe até hoje, destinadas ao socorro da classe operária. Eram basicamente formadas por funcionários da Companhia Leopoldina. De cunho mutualista, destinavam-se a prestar socorro aos operários enfermos, encarregar-se dos funerais dos sócios falecidos e auxiliar, através de pensões, as famílias que perdiam o seu provedor. O espírito associativo das sociedades de auxílio mútuo foi bastante expressivo em Nova Friburgo. Dos imigrantes, somente os portugueses e os italianos possuíam associações de mútuo socorro: a “Associação Portuguesa de Beneficência” e a “Sociedade Operária de Mútuos Socorros 20 de Setembro”, embora os italianos participassem também da formação da Sociedade Humanitária dos Operários. O sindicalismo brasileiro nasceu das associações de mútuo socorro. José de Souza Martins nos informa que as primeiras formas de organização dos trabalhadores urbanos no Brasil decorreram diretamente dos problemas sociais causados pela doença e pela morte na classe operária.

Outra forma de solidariedade muito comum, em Nova Friburgo, eram as “subscrições” abertas em favor dos órfãos e famílias carentes. Subscrições eram quantias em dinheiro arrecadadas de doações individuais e destinadas aos necessitados. Basta uma leitura dos jornais do século XIX de Nova Friburgo e se verá com frequência subscrições abertas em favor de viúvas, doentes, órfãos, etc. Utilizava-se ainda as subscrições para reconstruir estradas e pontes devastadas pelas inundações das chuvas. Como o poder público tratava os seus doentes pobres, indigentes e flagelados? A Intendência(Câmara) Municipal auxiliava os enfermos com a distribuição gratuita de medicamentos e fornecia um médico para atendê-los. De resto, os indigentes dependiam do voluntariado. O sistema de caridade voluntária para auxílio dos pobres, enfermos e moribundos ficava a cargo das senhoras da elite, sendo-lhes reservada uma importante posição nas relações sociais: a filantropia. Organizou-se, em Nova Friburgo, a “Sociedade de Caridade”, uma instituição que prestava socorro direto às famílias pobres e necessitadas, fornecendo alimentação, medicamentos, serviços médicos e enterros. Essas mademoiselles organizavam quermesses exercendo o oficio de caixeiras vendendo balas, vinho, licor, cerveja, doces, café, flores, sorvete, cigarros, promoviam tômbola, uma espécie de loto, e concertos-soirée beneficentes. Outra forma de captação de recursos para essa entidade eram os espetáculos de teatro e circo. Não havia quem se apresentasse na cidade que não destinasse um dia de bilheteria do espetáculo às obras de caridade.

Logo, a solidariedade e o voluntariado tiveram um papel muito importante no passado, mas que foi esmaecendo-se, ao longo dos anos, devido à evolução do papel do Estado na sociedade. Atualmente se manifesta em situações de catástrofes, como suporte às ações do Estado, de forma coadjuvante. Depois da tragédia do dia 12 de janeiro, a solidariedade e o voluntariado de empresas e de pessoas físicas escreveram uma bonita página na história de Nova Friburgo. Como é bom acreditar no SER HUMANO!

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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