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São João Batista: o orago de Nova Friburgo
quinta-feira, 05 de junho de 2014
D. João VI escolheu o seu santo protetor, São João Batista, para ser o orago de Nova Friburgo. Em fins do século 19, por ocasião da festa de São João, a igreja Matriz era toda embandeirada e seu altar profusamente espargido por flores, para festejar, pomposamente, o padroeiro da cidade. São João gozava em Nova Friburgo de especial veneração, sendo o seu dia o escolhido para o batismo das crianças e inauguração de engenhos. No dia 24, às seis horas da manhã, uma estrondosa salva de girândolas de foguetes e sonoros toques de sino do campanário da Matriz despertavam os friburguenses anunciando a chegada do memorável dia da festa do santo protetor da cidade.
Às quatro e meia da tarde, a imagem do santo era conduzida em procissão sobre o andor, transportada pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, vestidos em opas de seda e carregando círios acesos. Fiéis vestidos de anjos espalhavam flores pelas ruas principais da cidade, já cobertas por folhagens de murtas. As frentes das casas por onde passava a procissão eram varridas e ornamentadas com grandes colchas adamascadas, escarlates, azuis e amarelas, além de ramos de flores. Em determinados pontos, a procissão era saudada com salvas e girândolas. A cada percurso aumentava ainda mais o número de pessoas que acompanhava a procissão, finalizando com uma missa celebrada na igreja Matriz onde se cantava o Te Deum. Um orador expunha no púlpito a vida gloriosa do santo.
Ao lado da Matriz, levantava-se um pavilhão onde apregoavam as prendas recolhidas entre os fiéis. As bandas de música abrilhantavam o leilão tocando nos intervalos. Eram soltados balões, dançava-se e cantava-se ao som da viola toda enfeitada de fitas ao redor da fogueira. Erguiam-se mastros pintados de branco com cintas escarlates enfeitadas com ramos de flores e as bandeiras. Tinham por emblema a figura de São João e de um cordeiro. No dia de São João, perus, patos, vitelas, carneiros e leitoas pejavam nos fornos das famílias friburguenses, consumidos com cará e melado. Nessa mesma ocasião, nas ruas do Rio de Janeiro, via-se escravos de ganho com cestos carregados de canas, batatas-doces, carás, milhos verdes, galinhas, ovos e perus; tudo, enfim, que dizia respeito à folia da noite e das lautas ceias que ocorriam nos lares, nos informa Mello Moraes Filho. Acácio Ferreira Dias, em Terra de Cantagalo, discorre sobre uma festa de São João oferecida por um português da Ilha da Madeira. Disponibilizava em frente ao seu empório dois carros de boi repletos de lenha para a fogueira. Assava no crepitante fogo sacos de batata-doce, mandioca e bacalhau, que eram distribuídos à população. Os escravos igualmente participavam, tocando caxambu sob goles de cachaça. Aos mais íntimos, o português oferecia em sua residência castanhas, nozes, broa de milho, tudo regado com o vinho tinto da terrinha. Sinhás e escravas corriam afoitas ralando milho verde e coco para fazer a canjica, assando igualmente os deliciosos bolos de São João. Os escravos despejavam no braseiro tenras espigas de milho, carás e canas verdes. Dentro das práticas culturais de Nova Friburgo, os namorados iam ver as suas sortes nas figuras que apresentavam os ovos que deixaram na véspera, ao relento, em copos de cristal. Havia a seguinte crença: passava-se, em cruz, um copo cheio d’água por sobre a fogueira, quebrava-se dentro do líquido um ovo com a clara e a gema. De manhã, se apareciam os lineamentos de um navio, significavam viagem; se a forma de uma igreja, casamento; se um caixão, enterro. Ou ainda: deixava-se ao sereno uma bacia d’água e ia-se, antes do nascer do sol, mirar o rosto: se o indivíduo não via a sua sombra, era sinal de que não chegaria ao outro São João. Rodinhas, pistolas, foguetes, busca-pés, chuveiros, rojões, cartas de bichas, girassóis, traques de sete estouros e bombas estouravam de quando em quando. Às dez horas da noite, havia a anunciada queima de fogos oferecida por devoção e à custa da Irmandade do Santíssimo Sacramento como última homenagem prestada ao santo padroeiro no seu aniversário. Antes de finalizar os tradicionais fogos, o vigário de Nova Friburgo subia ao púlpito e lia a nominata do festeiro, juízes, mordomos da bandeira, do mastro, da salva, da fogueira e das varas que promoveriam a festa do ano seguinte. Por fim, subiam os foguetes, estrugiam nos ares as bombas e um balão de cores variadas balouçava no céu da cidade. A gárrula garotada vaiava se o fogo queimasse rapidamente. Era assim a festa de São João Batista no final do século 19.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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