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SANTO ANTÔNIO: glória de Portugal que lhe foi o berço e honra da Itália que lhe guarda o túmulo
Em junho, no final do século XIX, Nova Friburgo se preparava para os folguedos das festas de Santo Antônio, São João, São Pedro e da mãe da Virgem Maria, Sant’Anna. Era a estação das festas populares, dos mastros, das fogueiras, das canas, do cará com melado e da batata-doce. Divertimentos profanos como barracas de comidas, música, dança e leilões davam um colorido às práticas religiosas como as missas, ladainhas e procissões em homenagem aos santos taumaturgos.
A festa de Santo Antônio tinha grande concorrência de fiéis e de romeiros que iam pagar suas promessas. Oito dias antes da festa, ao troar de bombas, foguetes e ao som de repiques, era levantado em frente à capelinha na Praça do Suspiro o tradicional mastro azul e branco, tendo no topo um quadro com a efígie do santo de um lado e do outro a dedicatória que dizia “glória a Santo Antônio”. Na véspera, havia a ladainha e na alvorada do dia 13, dia de Santo Antônio, a Sociedade Musical Euterpe percorria a cidade despertando os devotos do santo com harmoniosas peças de seu repertório. Às 11 horas, era celebrada missa, cantada pelos Levitas do Senhor, subindo à tribuna um pregador que eloquentemente fazia o panegírico do glorioso taumaturgo. Às cinco horas da tarde, as famílias participavam da procissão, repleta de crianças vestidas de anjos e virgens. Juncava-se de folhagens e flores à frente das casas por onde passava o préstito, em tributo ao santo. À noite, era cantada novamente a ladainha.
O inverno nesta época era muito rigoroso em Friburgo, chegando a temperaturas abaixo de zero graus. A população tirava do armário capas, casacos, mantéos, os clássicos cachenets, luvas e ainda assim “forravam por dentro” com Maria Brizard ou outra bebida qualquer que esquentasse. A Câmara Municipal se esmerava em tornar a praça iluminada por luz de acetileno com um holofote soberbo que dardejava raios possantes. Flores e folhagens ornavam um arraial de barraquinhas na Praça do Suspiro, todas iluminadas a giornos, com paredes de lonas brancas, tetos cinzentos de zinco, realçados pelo verde esmeraldino da vegetação. Por toda a extensão das barraquinhas, havia bandeiras e galhardetes de várias cores e nacionalidades. A festa ensejava a comilança e também o consumo de bebidas quentes. No festim de Santo Antônio, os romeiros tiravam a sorte e se esbaldavam com doces, café, refrescos, patos, perus, leitoas, carneiros, vitelas, carás e melado. Ardiam fogueiras assando-se canas e batatas doces. Armava-se um coreto e ao som de uma banda de música apregoava-se um leilão de prendas oferecidas pelos fiéis. Tocavam todas as sociedades musicais, Euterpe, Campesina, Estrela e Recreio dos Artistas. Tanto a colônia portuguesa como a italiana auxiliava na organização da festa deste santo, glória de Portugal que lhe foi o berço e honra da Itália que lhe guarda o túmulo.
Durante a festividade, a população afluía à capelinha, levando promessas e donativos ao santo. Alguns levavam pencas de laranja ou frangos que trocavam por medalhinhas e registros com laços de fitas. Atroavam nos ares girândolas de foguetes e ascendiam balões de todas as cores e tamanhos com dísticos e figuras alegóricas. Durante a festividade, as moças solteiras acendiam velas de cera ao santo casamenteiro pedindo por um bom casamento. As meninas vestidas galantemente saíam como bando de andorinhas travessas, à cata de flores para enfeitarem o oratório. Já os meninos corriam pela multidão jogando bichas (sanguessugas) sobre os transeuntes e ainda busca-pés que atiravam para o ar em direção às moças que corriam esbaforidas, com medo de queimarem os vestidos novos. No último dia da festa, às dez horas da noite, findo o leilão, encerrava-se com a queima de lindíssimos fogos de artifício ao som de repiques dos sinos da igrejinha de Santo Antônio. Numa época em que não havia luz elétrica, estes fogos de artifício tinham uma dimensão muito maior do que hoje e daí a vozearia alegre da gárrula meninada diante deste espetáculo ao fim da festa de Santo Antônio. Dedico esta matéria a minha querida e amada mãe, que nasceu no dia de Santo Antônio.
Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX. Para ler as matérias anteriores acesse historiadefriburgo.blogspot.com
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Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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