Colunas
Salve brenhas do Morro Queimado
Sempre lamento que as montanhas de Duas Pedras, o “Morro Queimado”, não represente o município de Nova Friburgo. Tenho ainda preferência sobre as montanhas dos Três Picos, porta de entrada de Nova Friburgo até o advento da linha férrea. Foram essas as primeiras montanhas avistadas por viajantes e pelos colonos suíços e alemães quando chegaram a Nova Friburgo. Mas voltemos às Duas Pedras, ou melhor, ao Morro Queimado. É ele quem aparece em todas as ilustrações de cientistas e artistas, como Debret, que passaram por Nova Friburgo, no século 19. É ele que abre o hino da cidade: “Salve brenhas do morro queimado”.
No passado, as fazendas normalmente tinham o nome de um santo ou de um acidente geográfico. No caso, o morro das Duas Pedras, deu nome à Fazenda do Morro Queimado. Mas por que queimado? Pela sua cor acinzentada, característica das montanhas de Nova Friburgo, sem vegetação e parecendo queimada aos olhos de nossos antepassados que lhe deram essa denominação. O Morro Queimado era igualmente espaço de sociabilidade em princípios do século 20. O português Antônio Alves Pinto, adquiriu, em 1914, o Sítio do Relógio, onde construiu a belíssima residência da Vila Amélia.
Sua família costumava fazer excursões no morro das Duas Pedras, um dos passeios prediletos dos Martins. Havia uma trilha no meio da mata entre a sua propriedade e essas montanhas. Uma nascente no caminho era onde costumavam fazer pic nic e encher os cantis. De lá apreciavam a vista de Nova Friburgo. Foi a Fazenda do Morro Queimado a escolhida para abrigar uma colônia de suíços, no século 19. Outras sesmarias (fazendas) foram adquiridas para compor o Termo de Nova Friburgo, mas a Fazenda do Morro Queimado é que abrigaria o Núcleo Colonial e seria o centro da vila. Era uma fazenda de criação de gado, com poucos escravos. A boa sede da Fazenda irá abrigar a Câmara Municipal, ali seriam realizados os ofícios religiosos, se instalaria o Colégio São Vicente de Paula do famoso pedagogo alemão Barão Tautphaeus, possivelmente frequentado por Joaquim Nabuco e por fim, seria adquirida pelos jesuítas que ali inaugurariam o Colégio Anchieta.
Como dito antes, todos os que retrataram no século 19, a Vila de Nova Friburgo, em ilustrações, dispuseram como ponto central o morro queimado. Mas deixemos a partir de agora a narrativa com as impressões do mineralogista inglês John Mawe dessa fazenda, que lá esteve de passagem em 1809, muitos anos antes de existir Nova Friburgo. Nessa ocasião pertencia a jurisdição da Vila de Santo Antônio de Sá. Mawe se dirigindo a trabalho aos Sertões do Macacu nas Novas Minas de Cantagalo, se abrigou na sede da Fazenda do Morro Queimado, depois de uma longa subida pela Serra da Boa Vista: “Ao anoitecer, chegamos à fazenda, denominada de Morro Queimado, cujo administrador nos recebeu muito hospitaleiramente, dando-nos pousada para a noite. O frio era tanto que as cobertas, embora duplicadas, mal nos aqueciam; pela manhã, o termômetro marcava 48° F. Quando a espessa neblina se dissipou, pudemos, em companhia do capataz, passar uma visita pelos arredores, que pareciam bem apropriados a uma fazenda de criação, mas a temperatura era muito fria para o plantio dos produtos comuns do país, sobretudo algodão, café e bananas, frequentemente crestadas. Informaram-me terem experimentado semear o trigo, embora não se esteja familiarizado com o método europeu de plantá-lo. O milho, como alimento destinado aos porcos, é o principal produto. A propriedade é infestada, de vez em quando, por onças que se cevam no gado novo. Esta fazenda, nas mãos de um agricultor experimentado e hábil poderia produzir resultados maravilhosamente compensadores. O solo é úmido, adaptável ao plantio não só do milho, como do trigo, cevada, batatas, etc. e tão bem irrigado por numerosas correntes provindas das montanhas, que as pastagens estão sempre verdejantes. Aqui existem magníficas quedas d’água e abundância de excelente madeira.”
Infelizmente se insiste na Pedra do Cão Sentado como representação de Nova Friburgo. Com tantas montanhas fomos escolher uma pedra para representar a cidade aos olhos dos turistas? Quem vê essa pedra? Apenas quem for ao Parque do Cão Sentado e além do mais, para vê-lo em forma de cão, necessita-se estar em determinado local e ângulo. Nossos símbolos devem ser aqueles que, olhando para ele, tenhamos uma história para contar, como no caso do morro queimado. A Pedra Cão Sentado não nos representa!
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário