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Precisa-se de amas de leite, madeixa e lacaios da colônia Nova Friburgo - 25 de agosto 2011
A Imperatriz Leopoldina, esposa de D. Pedro I, solicitou certa feita dois rapazes de “boa aparência” da colônia da Nova Friburgo para servir como lacaios. Poderiam ser suíços ou alemães, mas de preferência que soubessem o idioma francês. Logo em seguida, surgiu outro pedido inusitado: o diretor da colônia deveria providenciar uma cabeleira de colonas para a confecção de perucas para a Imperatriz. “Mandou-me a S. M. Imperatriz que fizesse toda a diligência possível por cabelos que sejam exatamente da cor dos que envio para amostra, e que tenham de comprimento um palmo pelo menos (...) No caso de que V. Sa. os ache, dê alguma coisa à pessoa de quem eles forem.” A austríaca Leopoldina era uma mulher loura, de olhos claros e certamente considerou que as suíças e alemães da colônia da Nova Friburgo poderiam fornecer-lhe madeixas próximas ao seu tom alourado de cabelo. Possivelmente deveria ter dificuldade em conseguir no Brasil essas madeixas, já que a maior parte da população era morena. Porém, a sua solicitação mais importante ocorrera alguns anos antes, quando do nascimento de seu filho, o futuro Imperador D. Pedro II.
Pedro de Alcântara era o sétimo filho de D. Pedro I e da arquiduquesa Leopoldina. Nascido em 2 de dezembro de 1825, sucedeu o pai, que renunciou em seu favor ao trono do Brasil, tornando-se o futuro Imperador Pedro II. O nascimento do futuro príncipe, ou infanta, provocaria uma série de correspondências entre o diretor da colônia de Nova Friburgo, Francisco de Salles Ferreira de Souza, e o Inspetor da Colonização, Monsenhor Miranda. O motivo era que a família real desejava para amamentar o próximo herdeiro do trono uma colona suíça, ou melhor, os seios úberes de uma colona que vivia na salubre vila de Nova Friburgo. No século XIX, os médicos higienistas passaram a estabelecer uma relação entre o aleitamento mercenário das amas de leite e a mortalidade infantil, detonando o processo de criação da mãe higiênica, ou seja, aquela que amamenta o seu rebento. Porém, o discurso médico preconizando a amamentação por parte da mãe somente surtiria seus efeitos ao final daquele século. Antes disso, vivia-se no império das amas de leite. Entre as muitas justificativas para que as mães não amamentassem, circulava a ideia de que as relações sexuais corrompiam o leite.
Monsenhor Miranda solicitou duas colonas suíças, casadas ou solteiras, que tivessem parido e em circunstância de serem amas do futuro Príncipe ou Infanta que se esperava. As mulheres obviamente deveriam gozar de boa saúde, ter maneiras polidas, bons dentes e não estar trabalhando na lavoura. Como havia naquele momento recentemente chegado a Nova Friburgo colonas alemãs, caso as suíças não se adequassem ao perfil solicitado, elas igualmente serviriam. Coube ao médico Dr. Bazet realizar as necessárias averiguações e escolha das amas de leite e as acompanharia até a Corte. No entanto, as duas primeiras colonas enviadas pelo diretor da colônia foram devolvidas. Há referência na correspondência entre Monsenhor Miranda e a administração colonial sobre a colona Annette, filha do colono suíço João Werner, que foi rejeitada por possuir “moléstia”, e a mulher de Kuentzi, por ter sido considerada “incapaz”.
Antonio José Paiva Guedes d´Andrade, secretário de Inspeção da Colonização Estrangeira, envia nova correspondência à vila de Nova Friburgo solicitando outras colonas. O dr. Jean Bazet não precisaria mais acompanhá-las, mas tão somente o marido ou o pai, caso fosse essa última solteira. Foi selecionada a colona suíça Leonor Frotè. No entanto, ocorreu uma tragédia: em sua viagem à Corte, o pai de Leonor Frotè morreu afogado caindo do barco na localidade do Sítio da Paciência. Pode ser que tal tragédia tenha afetado a colona psicologicamente, pois foi rejeitada por possuir uma “purgação contínua”. Optou-se então por enviar mais três colonas aptas a amamentar e a seleção seria feita na própria Corte. Foram selecionadas as colonas Izabel Falz, Doline Bellet e Maria Josephina Gavillet. Segundo Pedro Cúrio, no livro “Como surgiu Friburgo”, entre essas foi escolhida como ama de leite Doline Bellet, que escreveu: “Acho-me muito honrada em ser escolhida para servir no palácio imperial, como ama de leite; porém tomo a liberdade de informar a V. Sa. que desejo muito, para meu sossego, que meu marido seja admitido no palácio, para cuidar da minha criança com aquele mimo que só pode ter um pai. Portanto, peço a V. Sa. como um grande favor que queira me dar uma recomendação para me ajudar a alcançar o meu desejo. Sou com todo o respeito a humilde criada. Doline Bellet”. No entanto, José Murilo de Carvalho no livro “D. Pedro II” nos informa que coube à colona suíça Maria Catarina Equey a honra de amamentar o príncipe Pedro de Alcântara. Segundo esse autor, a família real acreditava ser mais saudável empregar uma mulher branca e europeia do que as negras amas de leite. A Imperatriz Leopoldina, inclusive, já havia solicitado uma ama de leite alemã para seu filhinho Dom João Carlos, que nascera em 6 de março de 1821.
Era comum as escravas amamentarem os filhos da elite naquela época. A solicitação para uma ama de leite europeia deve ter partido da própria Imperatriz Leopoldina que, sendo austríaca, talvez tivesse algum tipo de preconceito em relação às amas de leite negras. Logo, a colônia de Nova Friburgo, criada para abastecer a Corte de gêneros alimentícios do amanho de suas terras, prestou-se a fornecer dos seios úberes de suas colonas, o leite para alimentar D. Pedro II, o último Imperador do Brasil.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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