A praça dos eucaliptos é nossa

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

No final de agosto, o auditório da OAB-Nova Friburgo ficou lotado devido a realização de uma audiência pública sobre o futuro da Praça Getúlio Vargas. O motivo era discutir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal e o governo municipal, que prevê um projeto de reforma da praça. Informou a matéria de A VOZ DA SERRA dando conta que, embora convidados, o Ministério Público Federal e a prefeitura não enviaram representantes.  Para os organizadores do evento, os advogados Mônica Bonin e Rafael Borges, a ausência dos principais envolvidos deixou claro a necessidade da mobilização. O Termo de Ajustamento de Conduta, além de outras questões, prevê o retraçado da praça e o corte das árvores centenárias. 

Para o leitor entender a história dessas árvores, vamos à ela. No final do século 19, o médico e vereador  Carlos Éboli e Bernardo Clemente Pinto, o segundo barão de Nova Friburgo, convidaram o paisagista francês do Imperador D. Pedro II, Auguste François Marie Glaziou, para projetar e executar o jardim da Praça Getúlio Vargas. Essa época era caracterizada pelas políticas públicas higienistas e projetos de embelezamento pela Câmara Municipal, que tinha o poder executivo. Éboli era influenciado pela medicina higienista e trabalhos ligados ao uso do jardim como melhoria da qualidade de vida de uma cidade. Carlos Eboli e Glaziou escolheram a espécie do eucalyptus robusta pela crença de que estas árvores tinham a função utilitária de drenar o solo pantanoso, e igualmente de purificar o ar, combatendo os supostos miasmas que se desprendiam do solo. Esses eucaliptos prosperavam em terrenos brejosos onde quase nenhuma outra espécie se desenvolvia, além de resistir muito bem a geadas. Era considerada pelos botânicos da época como uma das mais belas espécies de eucalipto graças a abundância de sua folhagem e pela grande copa arredondada, de imensa beleza ornamental. 

A eucalyptus robusta atendia às necessidades tanto de drenagem do solo do centro da Vila de Nova Friburgo, que era alagadiço, como igualmente de purificação do ar. Na ocasião, acreditava-se que doenças como a febre amarela vinham do ar, dos miasmas, e por isso incentivava-se o plantio de árvores para purificar a atmosfera. Glaziou plantou eucaliptos nos três segmentos da praça, cada uma com dois renques laterais. Utilizando o mesmo alinhamento dos eucaliptos, plantou do lado direito buganvílias e do lado esquerdo outra fileira de árvores, de espécie desconhecida. Em 1881, as obras de paisagismo da praça foram concluídas. Até o ano de 1918, nas comemorações do centenário de Nova Friburgo, o projeto de Glaziou ainda se mantinha intacto. O curioso é que nessa praça já foram edificados, na terceira parte, um cinema em estilo mourisco e um coreto em estilo pagode chinês. Décadas depois um rink de patinação. A Praça Getúlio Vargas foi tombada pelo Iphan em 1972, pelo seu conjunto arquitetônico e paisagístico. Além de constituir um patrimônio cultural de natureza material, pode ser igualmente um patrimônio imaterial, espaço de sociabilidade onde se concentravam e se reproduziam práticas culturais coletivas. 

Uma miríade de histórias gira em torno dessa praça, como a divisão de classes sociais nos quais suas alamedas eram demarcadas, nos passeios, para os ricos e para os pobres, e por onde passava o trem vassourinha, que varria as moças decentes ao cair da noite. Depois do cinema, o footing na praça, onde muitos casais trocavam olhares, compromissos de namoro e dali saíram muitos casamentos. A Praça Getúlio Vargas acompanhou os acontecimentos políticos alterando o seu nome conforme os ventos revolucionários. Foi monárquica chamando Praça Princesa Isabel, a seguir republicana, passando a ser denominada de Praça 15 de novembro. Com a Revolução de 30, passou a ser Praça Getúlio Vargas. A população de Nova Friburgo deve acompanhar a reforma que se pretende realizar nesse logradouro público. Cabe à ela decidir entre a modernidade dos projetos que pululam na mente de arquitetos paisagistas, ou pela memória de crenças, como a de que a catedral dos eucaliptos poderia nos proteger das doenças.

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    Cinema mourisco: uma atração na principal praça da cidade

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    Entre a modernidade e a memória. Acervo Mário Moreira.

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    A intervenção no chafariz da Praça Getúlio Vargas

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    Revolução de 1930. A praça foi o local escolhido para a comemoração

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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