Pode-se utilizar a imprensa como fonte histórica?

quinta-feira, 17 de março de 2016

Ultimamente os meios de comunicação têm sido achacados por intelectuais em razão da falta de isenção ao lidar com fatos políticos, notadamente na “Operação Lava Jato”. De início me veio à mente o meu livro cuja fonte foi baseada exclusivamente na imprensa.  Foi escolhido como recorte temporal a instalação do governo republicano até a virada do século 20, valendo-me para tanto como fonte primária dos jornais existentes à época.

Busquei traçar um panorama da política local, da economia, bem como identificar as classes dominantes e partir de então analisar as tensões sociais da sociedade friburguense dentro daquele contexto. Em um segundo momento foi feito um estudo sobre o cotidiano da cidade, descrevendo o modo de vida, suas atitudes, tradições, festas, comemorações, sistemas normativos e repressivos, espaços e formas de sociabilidades.

Dois jornais foram basicamente o foco da pesquisa: “O Friburguense” e “A Sentinela”. No entanto, o primeiro monopolizou basicamente toda a pesquisa. “O Friburguense” foi o primeiro periódico que se tem registro em Nova Friburgo, tendo sido fundado em 1881. Ambos os jornais eram um instrumento dos partidos locais e suas páginas a tribuna dos políticos, sendo raros os que proclamavam isenção. Eram em sua maioria declaradamente partidários e seus diretores arautos dos respectivos partidos que representavam. Quando desejavam fugir da arena política declaravam ser “órgão imparcial” como foi o caso da “Gazeta de Friburgo”.

Atualmente os jornais se preocupam em passar uma imagem de absoluta isenção, o que lhes garante a credibilidade, diferentemente de nossos ancestrais que não escondiam sua linha partidária. A população reconhece entre os jornais do país os que têm uma tendência de direita, centro ou esquerda. Até aí nenhuma novidade, pois isso ocorre no mundo de um modo geral.

 Respondendo à pergunta se um historiador “Pode-se usar a imprensa como fonte de pesquisa?”, afirmo que sim por experiência própria.  No entanto, no que tange a política, conforme o exposto, certamente que não. O próprio jornal em que pesquisei já apontava sua posição partidária. Apesar das limitações, podemos definir quem são os principais atores históricos da política local e as picuinhas entre os partidos.

No aspecto econômico igualmente pode-se traçar algumas informações como carestia de preços, problemas na lavoura, falta de mão de obra e mercados. Foi no campo das sociabilidades que mais explorei e tirei proveito dos jornais como fonte de pesquisa. Os jornais descreviam a vida social, notadamente da elite na cidade, com uma riqueza de detalhes. Nesse momento identificam-se quais eram as famílias mais importantes, de que forma se reuniam, faziam festas, se confraternizavam e se divertiam. Um deleite para os historiadores!

Como os jornalistas propositadamente eram convidados para esses eventos, descreviam os rendez-vous em suas colunas nos dotando de farto material. Por outro lado, a sociabilidade das classes populares é totalmente obscurecida, a não ser quando aparecem nas festas religiosas, rara forma e espaço de sociabilidade entre os menos favorecidos.

Me recordo nessas pesquisas de um fato curioso. Sempre que se finalizava um comício de políticos as matérias descreviam que era oferecido à plateia um generoso copo d`água. Achava simplório demais dar aos prováveis eleitores um copo d`água. No entanto, tentava não cometer anacronismo. Foi o memorável Câmara Cascudo quem me deu a resposta: copo d`água era na realidade cachaça! Sim, a imprensa é uma generosa fonte de pesquisa aos historiadores. 

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    A Lanterna, periódico do século 19

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    O Friburguense

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    Oficina do jornal O Friburguense, século 19

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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