Paulo Azevedo: uma biografia não autorizada

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Nessa semana faz três anos da tragédia que se abateu sobre Nova Friburgo e toda a Região Serrana. Esse sinistro nos traz a lembrança de diversos episódios individuais, dramas familiares, narrativas que somadas nos dão a dimensão de como tudo foi muito pior do que se imaginava e se noticiou na mídia. Recorrendo a essas histórias individuais me lembrei do ocorrido com o ex-prefeito Paulo Azevedo, que foi vítima de uma fatalidade. Um barranco caiu sobre a sua residência, no Campo do Coelho, zona rural de Nova Friburgo, matando-o de imediato. Um mês antes de seu falecimento, falei com Paulo Azevedo por telefone. Ele me fizera um convite para escrever a sua biografia,  tecendo loas ao meu trabalho como historiadora. Foi uma solicitação que me causou surpresa e confesso que não sabia o que responder. Por um lado, é altamente instigante ter acesso a informações e documentos de uma figura política tão importante na história do município; mas, por outro lado, sabia que não teria liberdade e que seria "conduzida” em minha narrativa pelo biografado. Como diz a gíria atual, amarelei! Ele me disse que todo o material documental de sua vida política estava com determinada pessoa, que por questão de privacidade não mencionarei o nome. Deveria procurá-lo e ele forneceria as fontes para o meu trabalho. Para ganhar tempo e refletir sobre a proposta, disse que naquele momento estava envolvida com um extenso trabalho e que, quando terminasse, o procuraria. Foi então que comecei a conhecer o biografado. Ele aumentou o tom de voz ao telefone e aos berros disse: "A senhora está de sapato alto comigo”. Para quem desconhece a expressão, significa que eu o estava esnobando. Não era o caso. Eu precisava refletir sobre como negociar aquele trabalho nos termos de liberdade de expressão, pois não queria escrever um livro sob o seu cabresto. E como terminou a nossa conversa? Bem, não foi conclusiva, pois ele começou a falar de seus desafetos políticos, o que me favoreceu, pois a proposta ficou em aberto. 

Esse diálogo ocorreu no início de dezembro e um mês depois Paulo Azevedo faleceria tragicamente. Sua história ficará sepultada com ele? Fica a seguinte indagação: se vivesse mais alguns anos, como teria terminado a trajetória política de Paulo Azevedo, já que vinha perdendo vertiginosamente o seu eleitorado e dissipado a sua base clientelista? Paulo Azevedo era sobrinho de Amâncio Mário de Azevedo, político que exerceu diversos mandatos como prefeito. Azevedo se tornou o seu sucessor natural e exerceu funções administrativas junto ao tio, ganhando gosto pela política. Na juventude era considerado um bad boy e deu muito trabalho a família, segundo relatos. O que marca a história política de Paulo Azevedo e causou grande impacto em Nova Friburgo foi um crime ocorrido na Câmara Municipal. Azevedo mata friamente com um tiro à queima-roupa um desafeto político. Esse episódio ele teria que carregar consigo pelo resto da vida, pois passou a imagem de um coronelismo mofado da República Velha. Um fato absolutamente bizarro era o "beija-mão” introduzido por Azevedo. Essa prática política era conhecida na Corte Joanina, onde D. João VI recebia seus aliados políticos, beneméritos, que em fila iam beijar a mão do Rei, tecendo-lhe preito de fidelidade. O mesmo ocorria nas relações de Azevedo com seus assessores e clientela política. Ele se isolava como um ermitão em seu sítio, no Campo do Coelho, e quem desejasse despachar tinha que se deslocar até o seu bunker. Isso funcionou sem problemas em um de seus mandatos, mas no último, esse seu bizarro comportamento do beija-mão é apontado como uma das razões de sua derrota política. Isolou-se de seu staff e poucos tinham acesso a Azevedo, à mesa do "senhor”, criando em torno de si a figura de um semideus, quase mítica. Onde estava o "Paulinho”, aquela figura popular que abraçava e beijava a todos quando passeava pelas ruas da cidade? Ninguém mais o via. Tinha por hábito sair na madrugada, obviamente para não encontrar ninguém, e fiscalizar as obras, ruas, enfim, fazer o footing pela cidade que administrava. Paulo Azevedo revezaria com seu ex-adversus, Heródoto Bento de Mello, a administração municipal, numa dobradinha política que iria eclipsar outras lideranças. A pintura dos bancos da praça era simbólica: um pintava de verde (Heródoto), o outro de azul (Paulo Azevedo). Essa dicotomia se estenderia às sociedade musicais, pois enquanto um apoiava uma banda o outro apoiava a concorrente. Tinham algo em comum: ambos passavam o bastão a sucessores medíocres para não minar o seu poder político. 

Para quem deseja conhecer o homem e nem tanto o político, recomendo a leitura do livro "Afinal, quem tem medo de Paulo Azevedo?”, de Alexandre Gazé. O autor baseou-se em uma interessante fonte, entrevistas que Azevedo dava a um jornal local, havendo muitas passagens interessantes de sua vida, inclusive na prisão. Reunidos todos esses fatos, fico imaginando como seria interessante uma biografia não autorizada de Paulo Azevedo. 


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido

Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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