Pastelaria e charcuteria: herança portuguesa

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Quem diz do viajante é a bagagem que leva, nos ensina Câmara Cascudo, referindo-se à herança brasileira da culinária lusitana. Portugal nos legou muito de sua fauna trazendo em suas naus vacas, bois, touros, bodes, cabras, cabritos, carneiros, porcos, galinhas, galos, pombos, patos, gansos, o cachorro, entre outros animais. O peru era nativo. De sua flora trouxe a cana-de-açúcar, o trigo, o arroz, a parreira de uva, os figos, a romã, a laranja, a lima, o limão, o melão, a melancia, o coqueiro, etc. 

O articulista Souza Cardoso queixou-se de que faltava hortelão em Nova Friburgo, no editorial do jornal O Friburguense, em novembro de 1892. A cultura da horta foi herança portuguesa e para recriar o ambiente familiar no Brasil trouxe a abóbora, o gengibre, o pepino, a mostarda, nabos, rábano, couves, alface, coentro, endros, funcho, salsa, cominho, hortelã, cebolinha, alho, berinjela, tanchagem, poejo, agrião, manjericão, alfavaca, chicória, cenoura, acelga, espinafre, entre outras hortaliças. Alho, cebola e cominho acompanhavam o português como a mostarda ao inglês. O cominho era o perfumador dos guisados. Nos arredores de todas as residências espraiavam-se os quintalejos. Os portugueses igualmente trouxeram a maçã, a pera, o pêssego e o marmelo. No final do século XIX, um distrito de Nova Friburgo (Sebastiana) produzia suculentas peras, maçãs, nozes, cerejas, marmelo, amoras e uvas, dando-lhe uma paisagem que se assemelhava às planícies europeias. O português Antônio Pinto Martins, quando mudou-se para Nova Friburgo, tinha em sua chácara, hoje o bairro da Vila Amélia, plantação de peras-ferro, macieiras, morangos, aspargos, além da criação de suínos. Os portugueses levaram os porcos para o Brasil e tentaram introduzir a charcuteria, sua indústria caseira. O toucinho e o chouriço se fixaram na mesa nacional, notadamente o primeiro. Capados e toucinhos eram mercadorias presentes nas tropas de burros e carros dos trens. A banha do porco será o refrigério da carne, mantendo-a conservada por longo período nessa gordura. Quando finda a saborosa carne ficam as lascas no recipiente com um resto de banha, o unto, que acrescido de fubá e água, vira caldo de unto, tão apreciado pelo primeiro Barão de Duas Barras.

No Natal em Nova Friburgo era um requebrar de ovos, bater de bolos, o fazer de doces, pudins, biscoitos e broas, e igualmente o preparo de perus, leitoas, frangos recheados e tortas. Na ceia, castanhas, rabanadas, leitoas, frangos, perus, doces, amêndoas e vinho verde. A cana-de-açúcar trouxe a pastelaria portuguesa enchendo a boca dos nativos com o torrão de açúcar mascavo. A cozinha portuguesa inaugura a sobremesa que os africanos e os índios desconheciam. Surge nas mesas os bolos e massas douradas, recobertos pelas camadas de ovos batidos, folhados, farteis, beilhós, filhós e sonhos. Nas festas e cerimônias em Nova Friburgo só serviam doces, não havendo salgados. Rebuçados de Lisboa eram as balas favoritas das crianças na serra. As frutas faziam parte do farnel português, mas entre uma fruta e um doce, o português prefere o doce. Sobremesa de fruta em Portugal é sobremesa "fraca”. Os portugueses trouxeram os marmelos que frutificaram com exuberância o qual se fazia o doce e a marmelada. Em Nova Friburgo e toda região se plantava muito o marmelo. A vara de marmelo servia igualmente como instrumento de correção das crianças desobedientes e rebeldes. Maria Elvira Veloso Serafim (04/05/1915) recorda-se que no dia a dia se comia carne de porco, ovo, galinha, canjiquinha, arroz, feijão, verdura e bacalhau, que era barato. Comia-se bacalhau puro, com chuchu, com quiabo ou com batata. No edital de licitação de víveres para o "rancho” dos praças (policiais) do Regimento Policial estacionado em Nova Friburgo, além de gêneros básicos incluía-se o bacalhau, bem como vinho tinto ou branco de Lisboa. Até mesmo no fornecimento de "comedorias” aos presos da cadeia era servido bacalhau. Não faltam reclames nos jornais anunciando o vinho do porto como medicamento para variadas indisposições do organismo.

Depois de séculos de ocupação árabe os lusitanos herdaram dos mouros, além do azeite e dos azulejos, a mesa farta: "Muito luxo, pouco bucho”. Já se dizia em Nova Friburgo no Instituto Hidroterápico "ducha e bucha” para os convalescentes da tuberculose e de outras doenças. Serão os sobrados portugueses e não os chalés suíços que irão se destacar na paisagem urbana de Nova Friburgo. Não foi o raclette, o bratwurst e o queijo que se projetou em nossa culinária, mas a pastelaria e a charcuteria portuguesa. Os lusitanos foram os maiores agentes distribuidores de espécies alimentares entre suas possessões coloniais, intercambiando sementes, raízes, mudas e "bolbos” como nenhum outro povo colonizador. 


Essa coluna é uma homenagem à colônia portuguesa de Nova Friburgo e, em especial, a Alcina Babo. 

 

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos

livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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