Passagem de Noel Rosa por Nova Friburgo

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Este ano comemora-se o centenário do nascimento do grande compositor carioca Noel Rosa, nascido em 11 de dezembro de 1910, no Rio de Janeiro. Nada mais oportuno que falar de Noel Rosa neste momento em que passa o Rio Janeiro, onde as elites cariocas finalmente derrubam os muros da “cidade partida”, como definiu Zuenir Ventura, e o poder público volta sua atenção às comunidades das classes populares do Rio Janeiro. Noel Rosa já se antecipara nessa vinculação entre o asfalto e o morro. Nunca aceitou essas fronteiras e sempre fez uma ponte entre a classe média carioca, da qual era originário, e os compositores dos “morros” (comunidades) do Rio de Janeiro. Era fascinado pela figura do “malandro do morro” que nada se assemelha aos atuais bandidos cariocas. O que hoje as elites querem resgatar, Noel o fez há quase um século.

Noel Rosa ingressou no curso de medicina, mas a boemia falava mais forte em sua vida, levando-o a abandonar o curso. Franzino e debilitado desde muito cedo, sua mãe ficava sempre preocupada com o filho, que vivia nas noites cariocas. Sabendo, certa vez, de que Noel iria a uma festa, escondeu todas as suas roupas. Quando seus amigos chegaram para apanhá-lo, Noel grita, de seu quarto: “Com que roupa?”. No mesmo instante a inspiração para seu primeiro grande sucesso, gravado no carnaval de 1931, quando vendeu 15 mil discos. Tímido e recatado, Noel relaxava bebendo e compondo. A polícia, à época, prendia o sujeito que tinha calo nos dedos de tocar violão, pois o considerava um “vagabundo”. Sempre sem dinheiro, suas composições lhe rendiam apenas alguns parcos tostões e o pouco que recebia gastava tudo na boemia com as mulheres e com a bebida. Sua vida desregrada acabou lhe gerando uma tuberculose. Há relato de que quando já apresentava um quadro clínico de tuberculose avançada e proibido de beber sem comer alguma coisa, um amigo o encontrou em um bar tomando cerveja e caçhaça e o recriminou, ao que ele respondeu: “Dizem que cerveja alimenta e eu como não posso beber sem comer, eu como cerveja e bebo cachaça.” E foi devido a tuberculose que contraíra que Nova Friburgo entra em um difícil momento de sua vida.

Há relatos de que Noel Rosa se tratou em Nova Friburgo. Era natural. Nova Friburgo era considerada a “cidade sanatório” para onde afluíam, devido à salubridade de seu clima, muitos doentes vítimas da tuberculose. A proximidade com o Rio de Janeiro aumentava ainda mais o número de pessoas que buscavam o município para se convalescer dessa temível doença. Ao contrário do que ocorrera no passado, no início do século 20, os bons hotéis da cidade já não aceitavam hospedar pessoas doentes de tuberculose. Nova Friburgo recebia tantos tísicos que já assustava os veranistas que se hospedavam nos hotéis, pois a doença era contagiosa. A recepção desses tuberculosos ficava a cargo das inúmeras pensões que havia na cidade. O Sanatório Santa Terezinha, no Catarcione, seria inaugurado somente na década de 40, do século 20, e o Sanatório Naval apenas recebia militares da Marinha. Há referência de que Noel Rosa alugou uma casa em Nova Friburgo. Consequentemente, pode ter permanecido por alguns meses. Noel Rosa deve ter estado em Nova Friburgo entre 1930 e 1936 para se curar da tuberculose. Há quem afirme que a música O orvalho vem caindo tenha sido composta em Nova Friburgo por Noel, enquanto se convalescia. A letra e a melodia triste de fato nos remetem a Nova Friburgo nesse período de sua vida, que diz: “O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu / e também vão sumindo, as estrelas lá do céu / Tenho passado tão mal (...) A minha sopa não tem osso e nem tem sal / Se um dia passo bem, dois e três passo mal.”

Mas como provar que Noel Rosa esteve em Nova Friburgo? Infelizmente, os jornais da época, que devem ter registrado sua passagem por aqui, não estão disponíveis para consulta no Centro de Documentação da Prefeitura. No entanto, Derly Moreira Chlaloub, nascida em 1921, nos informa que sua mãe contava que via Noel Rosa na Praça Getúlio Vargas. Sentado no banco, cuspia constantemente no chão, uma postura típica dos tuberculosos. Noel, habituado a boemia nas rodas de samba, o autor de Conversa de Botequim, onde explora a sociabilidade carioca, deve ter achado entediante sua passagem pela modorrenta Nova Friburgo. Nessa ocasião, a cidade tinha uma influência muito forte da cultura alemã, sendo que os industriais alemães, por conta das indústrias de grande porte que por aqui se instalaram, implementaram uma cultura baseada na disciplina no cotidiano da cidade. O comportamento dos friburguenses em nada se assemelhava a camaradagem fácil da boemia carioca que tanto atraíra Noel. Falecido no Rio de Janeiro, em 4 de maio de 1937, aos 26 anos, vitimado pela tuberculose, deixou um legado de mais de duzentas músicas em que a tônica de sua obra foi o cotidiano do carioca e a crítica social. O trovador friburguense José Nogueira, o Bieca, registrou a passagem de Noel Rosa por Nova Friburgo. Em suas trovas sobre Nova Friburgo na década de 40, do século 20, escreveu: “Friburgo que Rui Barbosa aplaudiu quando chegou, Friburgo que Noel Rosa, no seu coração guardou”.

Um Santa Natal a todos os leitores e equipe de A VOZ DA SERRA!

Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX. Para ler as matérias anteriores acesse historiadefriburgo.blogspot.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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