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Pancs: saúde sobre a mesa
No passado, o distrito de Amparo fora anexado ao município vizinho de Bom Jardim. No entanto, no ano de 1911, por pressão da população local, conseguiu-se reverter a situação e tornar a pertencer a Nova Friburgo. No início do século 20, Amparo produzia café, milho, feijão, cana de açúcar, mandioca e diversos tipos de legumes. Paulatinamente foram sendo introduzidas a fruticultura e a floricultura. Porém, na década de 1960, ocorreu um significativo êxodo rural e Campo do Coelho passou a ser o mais importante distrito agrícola de Nova Friburgo.
Atualmente Amparo é a região do município que mais conserva características rurais. Tem ainda preservadas algumas casas de vivenda de fazendas do século 19, e eu já contabilizei pelo menos quatro dessas preciosidades. Fazendo uma comparação com o distrito agrícola de Campo do Coelho, em que os produtores rurais utilizam agrotóxico na lavoura extensiva, Amparo tem concentrado os agricultores dos produtos orgânicos que não fazem uso de tal recurso.
A comunidade de Amparo tem buscado igualmente revitalizar o distrito, tão esquecido pelo poder público municipal, nomeadamente em relação aos caminhos que ligam os sitiantes ao centro do distrito. Os acessos são péssimos e em dias de chuva totalmente intransitáveis. Mesmo com esse problema, comerciantes e produtores rurais participam do circuito de turismo orientado pelo Sebrae.
No entanto, o que Amparo tem mais de original é o plantio e processamento das pancs, as plantas alimentícias não convencionais. Fui até o Sítio Bonfim conhecer essa atividade agrícola inédita em Nova Friburgo, o cultivo das pancs. Esse termo panc foi criado em 2008, pelo biólogo Valdely Ferreira Knupp. Panc é uma denominação elaborada para designar plantas que podem servir de alimento, mas que não estão disponibilizadas pelo comércio tradicional.
Muitas delas faziam parte da alimentação do brasileiro no passado. Com o decorrer dos anos foram sendo substituídas por alimentos com maior interesse comercial e de agricultura extensiva. As pancs podem ser desde sementes e frutas até gramíneas, os conhecidos matinhos, e variam conforme a região. Para denominar uma panc é importante analisar o local em que essa espécie é encontrada. Em algumas regiões uma determinada planta pode ser consumida por uma grande parcela da população e, por isso, não ser considerada uma panc.
Entretanto, em outras áreas, ela assume essa denominação por seu uso ser ignorado na culinária daquela região. Logo, o que é considerado panc em São Paulo pode ser algo tradicional no Piauí ou no Ceará, como o umbu. Outro exemplo é a ora-pro-nóbis, muito comum em Minas Gerais, mas considerada panc em outros estados.
Fui conhecer sobre a utilização das pancs na gastronomia com Clarisa Martins e sobre o seu cultivo com o agricultor Flávio Jandre. Clarissa me ensinou a preparar uma sálvia à milanesa utilizando creme de leite de arroz, produto de sua marca, Pancs do Brasil. A sálvia é considerada o peixinho da horta pelos que curtem alimentos orgânicos. Apesar de não estarem disponíveis no mercado, esses alimentos não convencionais podem estar próximos de você.
São exemplos de pancs almeirão-do-campo, arumbeva, begônia, onze-horas, bertalha, buva, capuchinha, caruru, crepis, dente-de-leão, erva-gorda, língua-de-vaca, mastruço, picão, serralha, taioba, tansagem e urtigão-de-baraço. Podemos utilizar na salada pétalas das flores de girassol, dália e beijo, também conhecida como maria sem vergonha.
Em Amparo existe o fruto do jaracatiá, natural da região e excelente para sucos e compotas. No mundo, estima-se que pelo menos 30 mil espécies vegetais possuem partes comestíveis. No entanto, 90% do alimento mundial atualmente vêm de apenas 20 espécies. As pancs tanto podem ser consumidas in natura como servem para o preparo de temperos desidratados e molhos.
Clarissa e Flávio vem realizando pesquisas e chegando a resultados muito satisfatórios. Seus produtos são vendidos em um supermercado local e na feira do Cônego. A internet traz diversos sites, matérias, blogs e vídeos que ensinam a conhecer e até mesmo cultivar as pancs. Há quem afirme que se alimentar com elas não se trata apenas de uma iguaria para satisfazer a fome, mas igualmente de consumir um santo remédio para a saúde.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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