Os Sertões do Macacu

sexta-feira, 06 de abril de 2012

Cantagalo: Berço do Centro-Norte Fluminense—Parte I

Cantagalo, Nova Friburgo, Bom Jardim, Carmo, Sumidouro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Macuco, Duas Barras, Santa Maria Madalena, Trajano de Moraes, entre outros, integram os 14 municípios do centro-norte fluminense. No Brasil-Colônia, era uma região denominada de Sertões do Macacu, coberta de ipês, sanandus, quaresmeiras, ibirapitanga, peroba, massaranduba, braúna, sucupira, tapinoã, aroeira, jequitibá e cedro, que futuramente iriam encher os vagões de trem levando essa madeira para a Corte Imperial. Os Sertões do Macacu pertenciam ao município de Santo Antônio de Sá, conhecido como Macacu. Essa região iria somente ser ocupada por homens brancos no último quartel do século XVIII. Antes disso, era habitada por índios das tribos Coroados, Puris e Coropós e como dizia na carta geográfica elaborada em 1767, “Sertão ocupado por índios brabos”.

As primeiras ocupações por homens brancos devem-se à procura do ouro nos afluentes dos rios Grande, Negro e Macuco que recortavam os Sertões do Macacu, cujos garimpeiros eram originários de Minas Gerais. Essa região estabelecerá vínculos comerciais bem estreitos com Minas Gerais ao longo do século XIX, encetando inclusive a imigração de muitos fazendeiros mineiros dos Sertões do Leste, a Zona da Mata mineira, para os Sertões do Macacu. Será nesses sertões que surgirá o primeiro povoamento, o arraial de Cantagalo, acarretando outros povoamentos subsequentes que constituirão, no futuro, os 14 municípios do Centro-Norte Fluminense. Mas ao longo do século XIX, esses municípios pertencerão à Magna Cantagalo, desmembrando-se somente ao final desse século. Nova Friburgo será o primeiro deles a se desmembrar para formar a Colônia dos Suíços. Durante mais de sete décadas, a maior parte da região serrana ficaria sob a tutela de Cantagalo, integrando a mesma comarca. Cantagalo foi considerada “cabeça da Comarca” desde 1833 devido à sua importância na região.

Um acontecimento importante ocorre na segunda metade do século XVIII. O Rio de Janeiro é erigido à capital do Vice-Reino em 1763. Logo, o deslocamento da estrutura administrativa da Bahia para esse município sinaliza que os sertões seriam logo explorados. Os Sertões do Macacu ficariam mais próximos do centro administrativo colonial. Não bastasse isso, a fronteira com Minas Gerais foi igualmente um componente significativo para seu iminente desbravamento. Apesar de o governo da Metrópole (Portugal) ter sempre estimulado a penetração pelo interior do Brasil, a exemplo dos bandeirantes, no caso dos Sertões do Macacu, essa região foi oficialmente interditada para que através dela não evadisse clandestinamente o ouro extraído. No entanto, com a queda acentuada da produção do ouro em Minas Gerais, com as jazidas se exaurindo no último quartel do século XVIII, houve uma evasão migratória culminando com a infiltração de garimpeiros de Minas Gerais para as regiões até então interditadas, como os Sertões do Macacu.

Assim, no final do século XVIII, os Sertões do Macacu começam a ser penetrados por bandoleiros e garimpeiros em busca de novas lavras de ouro. As autoridades mineiras descuraram da vigilância e permitiram aos garimpeiros infiltrações pela Zona da Mata, dirigindo-se para a região fluminense. Por conseguinte, um grupo de garimpeiros invadiu os Sertões do Macacu aproximadamente em fins da década de 1770 e tinha como liderança Manoel Henriques, conhecido pela alcunha de Mão de Luva. Mergulharam suas bateias nos córregos São Pedro, Lavrinhas e depois nos rios Negro e Macuco, acreditando haver encontrado um Eldorado nas montanhas fluminenses. Formou-se, por conseguinte, um arraial clandestino naqueles sertões.

A Coroa Portuguesa, já combalida com o esmaecimento das jazidas de Minas Gerais, reagiu à essa exploração e contrabando de ouro, já que não pagavam tributos. A Metrópole determinou enérgica repressão, com a ocupação imediata do arraial e a prisão de seus líderes, tudo ficando a cargo do Regimento de Dragões de Vila Rica e de tropas auxiliares de Minas Gerais. Às tropas fluminenses competia patrulhar o litoral e a serra do Mar, impedindo a evasão dos garimpeiros ante o avanço da polícia mineira. Urgia prender Mão de Luva e todo o seu bando. De acordo com a tradição oral, dois soldados foram para aqueles sertões disfarçados de mascates, carregados de toucinho e cachaça e acompanhados por oito escravos, com destino ao arraial do bando de Mão de Luva. O objetivo era estimular o consumo do álcool entre os bandoleiros para debilitar a vigilância. As tropas mineiras invadiram o arraial e renderam o vulnerável bando de Mão de Luva como águias vorazes em ninho de pombas indefesas.

Nesse episódio, surge a lenda da origem do nome de Cantagalo. As tropas do governo teriam tido dificuldade em localizar o sítio onde os bandoleiros exploravam o ouro. A patrulha estava prestes a ir embora quando o canto de um galo denunciou a presença de indivíduos nas imediações, e pelo canto do galo se orientaram chegando ao arraial. Daí a origem do nome: São Pedro de Canta Galo. Depois da prisão do bando de Mão de Luva, em Carta de 8 de janeiro de 1785, o vice-rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza foi autorizado a iniciar o povoamento oficial daqueles sertões com “vassalos úteis e industriosos”, mediante a concessão datas de terras minerais aos pretendentes que desejassem ali se estabelecer. Iniciava-se com essa medida a ocupação oficial dos Sertões do Macacu, hoje, a região do Centro-Norte Fluminense.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “Histórias e Memória”

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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