Os povos indígenas das florestas

quinta-feira, 01 de novembro de 2018

Durante os nove anos de minha coluna em A VOZ DA SERRA, uma das coisas que mais me ressinto é de ter escrito muito pouco sobre os povos indígenas que habitaram o Centro-Norte fluminense. Em relação a esses primeiros habitantes das Américas, encontrei a interessante tese de Mauro Leão Gomes, “Ouro, posseiros e fazendas de café. A ocupação e a degradação ambiental da região das Minas de Cantagalo na província do Rio de Janeiro.”

Sua pesquisa, entre outras questões, expõe sobre a alteridade relacionada ao estranhamento do europeu sobre as técnicas agrícolas dos povos indígenas. Para tanto, Leão Gomes utiliza a impressão dos viajantes sobre os indígenas no Centro-Norte fluminense. Inicia com a observação feita pelo naturalista Von Tschudi, que percorreu as províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo no período de 1857 a 1859. Tschudi encontrou no caminho alguns ranchos miseráveis de índios. Relata que em nenhum deles havia plantação e que nas habitações encontrou os indígenas numa inércia, sempre prontos a pedir esmola.

Von Tschudi se referia aos índios Coroados da Aldeia da Pedra (hoje município de Itaocara), fundada em 1808, pelo missionário capuchinho Tomás Civitta Castella. O aldeamento ficava próximo à vila de São Fidélis, na região de Cantagalo. Conforme Leão Gomes, a impressão de Tschudi revela a visão que predominava na sociedade brasileira do século 19, sobre os indígenas.

Os princípios ideológicos difundidos no passado consideravam os povos indígenas brasileiros como inferiores e primitivos, sendo necessário que absorvessem os valores civilizatórios ocidentais para a sua redenção. Para tanto, procurava-se manter os índios restritos em suas aldeias substituindo suas atividades agrosilviculturais por outras técnicas agrícolas. O naturalista habituado com áreas geometricamente plantadas, não dava valor a uma roça indígena cultivada em meio à capoeira, com espécies comestíveis e medicinais misturadas, diferente dos campos europeus.

De acordo com Leão Gomes, os conflitos entre colonos e índios no século 19, envolviam disputas que iam muito além da questão territorial. Estendia-se igualmente em relação às práticas de cultivo da terra. Reiterando, a monocultura europeia se opunha ao cultivo de espécies comestíveis e medicinais misturadas no seio da mata, praticado pelos índios. Enquanto a agricultura ameríndia se estendia pela floresta, as práticas de cultivo dos camponeses europeus se formavam em campos abertos e permanentes. O conde Adalberto da Prússia, que percorreu a província do Rio de Janeiro em 1842, em contato com a aldeia dos Puris, próxima a Cantagalo, registrou serem esses índios indolentes e não faziam outra coisa senão dormir, comer, caçar e pescar, e isto somente quando a fome os obrigava.

Os que habitavam as florestas virgens colhiam frutos e raízes na mata para comê-las assadas nas cinzas, escreveu o conde. O cultivo da mandioca era a base de sua dieta alimentar. De acordo com Leão Gomes, o príncipe prussiano não percebia que as lavouras dos índios se encontravam na floresta, em meio às clareiras. Na realidade, viviam não apenas da coleta, mas também cultivavam parte dos alimentos que consumiam. Diversas espécies de plantas alimentícias e medicinais, bem como árvores frutíferas foram cultivadas nas florestas pelos indígenas.

Toda esta engenhosidade permanecia imperceptível ao olhar dos viajantes europeus. Para Leão Gomes, as culturas ameríndias desenvolveram técnicas sofisticadas de adaptação ecológica, que utilizavam de maneira eficaz e sustentável os recursos disponíveis dos diversos ecossistemas. Mas prevaleceu a forma de cultivo do campesinato europeu. Esta mudança na maneira de viver e produzir representava a extinção do modo de vida do saber ecológico destes habitantes da floresta.

Os Puris realizavam trabalhos para alguns fazendeiros da região de extração de madeira e transporte dos toros. Nos locais onde se abatiam as árvores formavam-se roças e pastagens. Na medida em que a cultura de alimentos foi penetrando pela floresta, os indígenas eram forçados a se retirar. Impunha-se ao índio a assimilação ou a rendição. Dessa forma, paulatinamente, os índios foram sendo expulsos da província do Rio de Janeiro.

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    Dança dos Puris

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    Festa de embriaguez dos Coroados

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    Índios Coroados e Coropós

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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