Os curandeiros e as mezinhas

quinta-feira, 05 de dezembro de 2013

NOVA FRIBURGO: CIDADE SALUBRE

Parte 2

No que concerne à medicina popular, ou mais propriamente ao curandeirismo, desde o período colonial, as Ordenações proibiam aos leigos o exercício desse ofício. Entretanto, a insuficiência de físicos e cirurgiões-barbeiros (o médico de hoje) na Colônia ensejou o florescimento da medicina popular. Toda mãe de família sabia preparar um colírio, aplicar purgas, vomitórios e preparar mezinhas (remédios caseiros). Era um tempo do reinado de benzedores, raizeiros, rezadores, catimbozeiros, pais de santo, cuja terapêutica popular efetuou-se através de rezas, benzeduras, visões, augúrios, palavras cabalísticas, simpatias, despachos, amuletos, imagens, bentinhos, patuás, ex-votos, fetiches, passes espíritas e igualmente garrafadas, chás e infusões. Os curandeiros grassavam durante todo o período colonial. 

No século XIX, a figura do médico se impõe na sociedade brasileira. Já havia uma Faculdade de Medicina no país, na Bahia, e os médicos vão empreender, com o apoio do governo imperial, uma verdadeira cruzada, procurando monopolizar o saber e concentrar na sua figura o direito de assistir aos doentes. No entanto, a medicina, mesmo quando alcança um status superior de conhecimento sobre a prática curativa leiga, teve dificuldade em concorrer com curandeiros, parteiras e homeopatas. Os indivíduos, secularmente habituados a lidar com o conhecimento empírico da cura, custavam a crer na superioridade da medicina científica. Nesse sentido, uma das mais importantes conquistas do movimento higienista foi a imposição da figura do médico à família. O padre foi sendo substituído pela figura carinhosa e firme, doce e tirânica: o médico da família. A supremacia do médico sobre o confessor na vida da família brasileira, esboçada desde as primeiras décadas do século XIX, foi uma nova fase na vida da mulher. O médico de família passou a exercer influência considerável sobre ela, que encontrava no doutor a figura prestigiosa de homem o qual depositava a confissão de doenças, dores e de intimidades do corpo. O médico oferecia um meio agradável para a mulher se desafogar da opressão patriarcal e clerical. Nas anedotas sobre maridos enganados a figura do padre Don Juan foi sendo substituída pela do médico e foram aparecendo histórias de adultério em alcovas e sofás patriarcais. 

Os médicos higienistas procuraram combater a medicina popular com publicações médicas que distribuíam pelo país, não obstante o analfabetismo de maior parte da população. Em 1842, o médico Pedro Luís Napoleão Chernoviz (1812-1881) publicou no Rio de Janeiro o Dicionário de Medicina Popular. Chernoviz nasceu na Polônia e se formou na Faculdade de Montpellier, na França. Veio para o Rio de Janeiro em princípios de 1840, naturalizando-se brasileiro, mas retornou à Europa em 1855. O Dicionário de Medicina Popular teve tanta aceitação e popularizou-se de tal forma que a obra passou a ser conhecida em todo país como "O Chernoviz”. Quase todas as famílias brasileiras o possuíam, sendo consultado e transmitido, como herança, de pai para filho. Outras obras de medicina para uso dos leigos foram ainda publicadas no Brasil, no século XIX: Dicionário Médico Prático (1823); Tratado das Doenças dos Negros (1818); Medicina Popular (1835); Guia Médico das Mães de Família (1843); Primeiros Socorros Antes da Chegada do Médico, ou Pequeno Dicionário dos Casos Urgentes (1849); Manual da Parteira ou Pequena Compilação de Conselhos na Arte de Partejar (1861); Guia da Mulher Pejada (1884); Noções de Oftalmologia Moderna (1864); Curso de Higiene Popular para as Classes Operárias (1877), etc. Além desses, muitos outros guias médicos foram publicados, sendo que a maior parte era tradução de guias estrangeiros. No final do século XIX, localizamos no jornal O Friburguense, de Nova Friburgo, sob o titulo de "Saúde Pública”, várias instruções médicas dirigidas à população sobre a etiologia e terapêutica de diversas doenças. A Era do Bacharelismo na construção do Estado nacional, no período imperial, dá lugar ao médico, que será o timoneiro na administração municipal. As epidemias de cólera, febre amarela, entre outras, dá preeminência ao médico sobre o bacharel em direito, pois a salubridade pública é o principal alvo dos gestores públicos. Em Nova Friburgo, o médico Ernesto Brazílio foi presidente da Câmara Municipal por longo tempo na história friburguense, durante onze anos consecutivos, no período de 1897 a 1908. Theodoro Gomes, igualmente médico, foi presidente da Câmara. Isso denota que a população do município, apesar de não se registrar surtos epidêmicos, preocupava-se com a sua salubridade. 

Na próxima semana, "Tuberculose, a peste branca”.     

 

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos

livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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