Os colonos suíços e a escravidão - Última parte

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Na primeira metade do século 19, os colonos suíços abandonam as terras inférteis do Núcleo Colonial e se dirigem para as freguesias de Nossa Senhora da Conceição do Paquequer (hoje município de Sumidouro), São José do Ribeirão (hoje Bom Jardim), e Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão da Sebastiana (parte de Friburgo e parte do município de Teresópolis). Igualmente se deslocam para as cabeceiras do Rio Macaé e para o principal destino entre todos, Cantagalo. É nesse momento que alguns colonos suíços adquirem escravos assim que a condição financeira lhes permite.

Discussões no âmbito legislativo de incompatibilidade do trabalho escravo em colônias ocupavam a Câmara dos Deputados e o Senado. Em 1864, foi apresentado no Senado um projeto proibindo os estrangeiros, o Estado e as Corporações de mão-morta de possuírem escravos. Já o projeto do senador Silveira da Mota, em 1865, previa no artigo primeiro, a proibição aos estrangeiros residentes no Império de aquisição e posse de escravos. No artigo segundo, dispunha que os estrangeiros que possuíssem escravos seriam obrigados a dispor deles no prazo de dois anos sob pena de serem declarados livres. No entanto, esses projetos não foram aprovados. Paralelamente a essas discussões, os colonos suíços, na medida em que vão tendo contato com a cultura nacional, provavelmente começam a se dar conta de que a agricultura, assim como alguns ofícios, era de natureza exclusiva dos escravos. O homem branco, mesmo pobre, não queria fazer “trabalho de preto”. A escravidão degradou e aviltou o trabalho, repelindo o homem livre. Mesmo o mulato ou o negro livre não realizava certos serviços, próprio de escravos. O fazendeiro que perdia a escravatura abandonava as suas terras porque o homem livre dificilmente se prestava ao serviço agrícola, humilhando-se em manejar a foice e a enxada desonradas pelo trabalho escravo.

O Brasil começou a sofrer as consequências da escravidão. Como o trabalho era aviltado porque entregue aos escravos, alguns colonos e imigrantes que aqui chegavam reputavam-se degradados em exercê-lo. Ainda que não influenciados por essa cultura local, nos parece que os colonos suíços perceberam que a única forma de ascensão social era plantar café e possuir escravos, adotando o modo de vida local.

Gisele Sanglard em “Nova Friburgo, entre o Iluminismo Português e a Gênese Bíblica”, nos informa que o colono suíço Pierre Gendre, em carta à sua família, que residia na Suíça, se manifesta sobre a escravidão, ou seja, ao comércio de homens, no Brasil. De acordo com o seu relato há uma percepção de que a única forma de enriquecimento era utilizar a mão de obra escrava. Segundo ele, os Mandrot, Graffenried, Schmid e Morel compraram “negros”, adotando a cultura nacional. Johann Jakob von Tschudi, diplomata e cientista suíço, chegou a Nova Friburgo entre novembro de 1859 e julho de 1860, com o intuito de estudar os problemas enfrentados pelos colonos suíços na região. Visitou uma fazenda no Córrego da Anta pertencente a três irmãos da família suíça Heckendorn. O diplomata Tschudi escreveu que se tratava de gente muito simples, arraigada ainda aos costumes da pátria longínqua e que levava ali entre os seus 70 escravos, vida patriarcal.

Os suíços trabalhavam parelho com seus escravos na atividade agrícola, faziam orações matinais em conjunto e os tratavam com desvelos tão humanos e fraternais que seria difícil encontrar tratamento igual em qualquer outro local. Relata que “o pai destes, Heckendorn, fora um daqueles suíços que imigraram para o Brasil em 1819, por iniciativa de dom João VI e que fundaram Nova Friburgo...”.

Parece-nos exagerado o número de escravos dessa família, assim como tratarem os escravos com desvelos humanos e fraternais. Mas o que interessa nesse artigo é apenas registrar que eram proprietários de escravos. Trata-se de uma contradição do governo financiar a vinda de imigrantes ao país para povoar e substituir gradativamente o trabalho escravo e permitir-lhes a propriedade de cativos. Mas esse é apenas um entre tantos outros exemplos de contradições em nossa história. 

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    Tschudi registrou 70 escravos na fazenda da família suíça Heckendorn

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    Discussões sobre a posse de escravos por colonos e imigrantes vinham ocupando debates no legislativo

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    A escravidão degradou e aviltou o trabalho, repelindo o homem livre

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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