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Os colonos suíços e a escravidão
Em 1818, o Cantão de Fribourg, através de seu agente Sebastian Nicolas Gachet, firmou um acordo com o Rei D. João VI para enviar colonos suíços e instalar um núcleo de povoamento no Brasil. Esses colonos se dedicariam a produção de alimentos e a criação de gado recebendo, para tanto, lotes de terras, sementes e animais. Entre novembro de 1819 e março de 1820, esses imigrantes vão chegando gradativamente ao porto do Rio de Janeiro para serem encaminhados a Fazenda do Morro Queimado, em Cantagalo, propriedade essa que seria desmembrada desse distrito, juntamente com outras três fazendas, para formar o termo de Nova Friburgo.
O padre Jacob Joye, clérigo que acompanhava os colonos suíços chega em um dos sete navios ao porto do Rio de Janeiro. Apenas ele e os oficiais de bordo obtiveram permissão para desembarcarem. Os colonos deveriam permanecer a bordo até que fosse providenciado o seu traslado rumo a Fazenda do Morro Queimado. O padre Jacob Joye escreveu em seu diário: “Aproveitei com prazer esta permissão. Os arredores são mais bonitos do que a cidade. O calçamento é detestável, as casas bastante mal construídas. Na maior parte não têm, senão, um andar. Durante o dia não vimos senão negros, eles fazem todo o trabalho. A maneira como são tratados me causou uma impressão extremamente sensível, tanto que não podia esperar o momento para voltar a bordo (...) Voltei a bordo do navio pois senti renascer em mim a melancolia ao percorrer a cidade do Rio de Janeiro, com as suas ruas mal calçadas, de uma sujeira repugnante e o espetáculo que oferecem os negros e os escravos, a maneira como são vestidos e tratados, verdadeiramente entristecedora para os estrangeiros”.
No entanto, essa repugnância inicial do clérigo pela escravidão seria vencida poucas décadas depois, pois Jacob Joye teria escravos para prestar-lhe serviço em sua propriedade. O historiador Martin Nicoulin, quando veio pela primeira vez a Nova Friburgo por ocasião de sua tese de doutorado sobre a colonização suíça nesse município, ficou chocado quando visitou a fazenda de um Monnerat e viu instrumentos de castigo de escravos. Ficou surpreso ao constatar que já o primeiro grupo de colonos suíços que chegaram ao Brasil adquiriram escravos assim que a situação financeira lhes permitiu. O colono suíço Pierre Bossinger se queixou, “Aqui tudo é selva”.
Além da dificuldade inicial de vencer a mata fechada, muitos lotes doados aos colonos eram em morros e em picos escarpados, impróprios para a atividade agrícola. Ainda que lhes sendo oferecidos outros lotes, inicia-se um êxodo abandonando o núcleo colonial. Muitos colonos suíços vão se dirigir para outras freguesias do termo de Nova Friburgo em busca de terras mais quentes e igualmente para Cantagalo onde as terras eram propícias ao plantio do café, que sinalizava como uma cultura altamente promissora.
A forma como esses colonos se tornaram proprietários em outras regiões pode ter sido através da posse de terras devolutas ou com o dinheiro da venda de seus lotes ou com economias que alguns juntaram. Na ocasião em que os colonos aqui chegaram havia muitas terras devolutas. O que seriam essas terras? Eram terras provenientes de doações anteriores e que, abandonadas, retornaram ao domínio do governo. Quem desse destino útil e produtivo a essas terras, depois de um ano estabelecido, poderia adquirir plena propriedade.
Essa prática de ocupação e modo de adquirir uma propriedade pela posse vigorou no Brasil até 1850, sendo extinta pela Lei de Terras. Possivelmente sabedores disso, muitas famílias suíças abandonaram os lotes do núcleo colonial em busca de terras devolutas. E encontraram. Dirigiram-se para as freguesias de Nossa Senhora da Conceição do Paquequer, atualmente Sumidouro, São José do Ribeirão, atualmente Bom Jardim, e Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão da Sebastiana, hoje parte de Friburgo e parte do município de Teresópolis.
Igualmente foram para as cabeceiras do Rio Macaé e para o principal destino entre todos, Cantagalo. Será a partir de então que alguns colonos suíços irão adquirir escravos. Continua na próxima semana.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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