Os Barões do Café

sexta-feira, 06 de abril de 2012

Cantagalo: berço do Centro-Norte Fluminense—Parte VII

Na segunda década do século XIX, o Centro-Norte Fluminense, outrora Sertões do Macacu, já estava quase todo ocupado por agricultores. Os boqueirões entre as montanhas já abrigavam sesmeiros e posseiros, instalados desde o final do século XVIII. Com o advento e o avanço da cultura cafeeira, a região de Cantagalo experimentou um surto de progresso sem paralelo em sua história. A mata cedia lugar às lavouras, com a substituição da pujante flora nativa pelos arbustos de café. As construções toscas e modestas foram substituídas por belos sobrados. Quando em 1809, o viajante John Mawe esteve em Cantagalo, já encontrou várias plantações de café, mas ainda era para cultivo próprio e para atender ao comércio local, principalmente os tropeiros que dele faziam uso em seus acampamentos. O cultivo do café se impõe como cultura dominante em Cantagalo, a partir da terceira década do século XIX.

Cantagalo e boa parte de Nova Friburgo - N.S. da Conceição do Paquequer (Sumidouro) e São José do Ribeirão (Bom Jardim), apresentavam condições favoráveis para o desenvolvimento do café: altitude ideal, clima ameno e terras novas. Os cafezais se espraiaram pelas freguesias de Cantagalo como Santa Maria Madalena, São Francisco de Paula, Carmo, Nossa Senhora da Conceição das Duas Barras do Rio Negro, Santa Rita do Rio Negro, São Sebastião do Alto, Macuco, Boa Sorte, Barra Alegre e São João Batista da Ventania (Trajano de Moraes). Foi o ouro verde, o café, e não o amarelo, o ouro, conforme se pensara, que originou as primeiras fortunas da região. A princípio apenas se plantava o café Crioulo e depois a Mocca, Aden, Mirtha e Le Roy. Posteriormente a que mais se expandiu foi a Java, trazida do Oriente por Luiz Sardemberg e levada para a região pelo colono alemão Jorge Gripp, onde foi difundida por Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o Conde de Nova Friburgo.

Em meados do século XIX, tanto Cantagalo como Nova Friburgo já possuíam uma elite requintada, com influência política na província fluminense. Em 1850, Cantagalo, compreendendo todas as suas freguesias, possuía 111 latifúndios dedicados ao cultivo do café. Exatamente dez anos depois, em 1860, eram 733 o número de latifúndios na região. Surge uma aristocracia rural, os barões do café, a exemplo de Antonio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo. As fazendas de Sant´Ana e Bonsucesso em Cantagalo; São Lourenço (São Francisco de Paula); Santa Fé (Carmo) e São João (Duas Barras), todas pertencentes, à época, à Magna Cantagalo, são magníficos exemplos de arquitetura produzidas pela civilização do café. As fazendas Serra Vermelha (Itaocara) e Bela Joana (Sumidouro) também se destacavam na região. Mas as fazendas de Lordelo (Sapucaia), Areias e Gavião (ambas em Cantagalo) foram as mais representativas da época. A primeira pertencia ao Marquês do Paraná e era em estilo mourisco; a segunda em pedra de cantaria e a terceira, a mais pujante de todas, pertencia ao Barão de Nova Friburgo. O Solar do Gavião, como era conhecido, era a mais imponente sede de fazenda do Brasil Imperial, tendo hospedado o Imperador D. Pedro II e a família real por duas vezes. Foi projetado por Carl Friedrich Gustav Wehneldt, o mesmo arquiteto do Palácio do Catete, também de propriedade do Barão de Nova Friburgo. Atualmente, esse belíssimo solar, de propriedade de um particular, encontra-se no mais lastimável estado de conservação, deteriorando-se a olhos vistos dos poderes públicos responsáveis pela preservação do patrimônio histórico.

Propriedades com monjolo e engenho de rapadura, singelas instalações com casas de pau a pique e telha vã ou de sapê, sem assoalho e mobiliário igualmente modesto dão lugar a portentosas construções com material importado. O conforto, o luxo e o fausto até então tidos como incompatíveis com a virilidade do campo, foram aceitos pela elite agrária da época. Nas residências, encontram-se lustres de cristal, baixelas de prata, finas porcelanas contendo monogramas da família, espelhos bisotados, pianos alemães, móveis de peroba e jacarandá, ricamente talhados em estilo britânico. Era a Belle Époque do potentado rural fluminense. Dezenove desses fazendeiros receberam títulos nobiliárquicos, vindo a integrar a nobreza do Império: Augusto de Souza Brandão, 2° barão de Cantagalo; José de Aquino Pinheiro, Barão de Aquino; Manoel Antônio Cláudio Rimes, Barão de Rimes; José Antônio de Moraes, Barão e Visconde de Imbé; João Antonio de Moraes, 1° Barão de Duas Barras; Elias Antono de Moraes, 2° Barão de Duas Barras; Antônio Clemente Pinto, 1° Barão de Nova Friburgo; Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, 2° Barão, Visconde com grandeza e Conde de Nova Friburgo; Antônio Clemente Pinto (filho), 1° Barão, Visconde com grandeza e Conde de São Clemente, entre outros.

O 1° Barão de Nova Friburgo chegou com o seu irmão, na década de 1820, como sesmeiro em Cantagalo. Tornou-se um dos maiores cafeicultores da província possuindo em Cantagalo mais de dez fazendas, além de ter edificado o suntuoso Solar do Gavião, como mencionado e o Palácio do Catete, que se tornou sede do governo presidencial na República. Não bastasse isso, tinha muitas propriedades em Nova Friburgo, como o solar na Praça Getúlio Vargas, o chalet do Country Clube e o prédio onde hoje se encontra o Sanatório Naval. Mas não foram somente os lucros do café que encheram a algibeira do Barão de Nova Friburgo. Sua acumulação de capital deveu-se ao fato de o Barão de Nova Friburgo figurar entre os maiores traficantes de escravos no Brasil. Antes tão modesta, a elite rural serrana, em cinquenta anos, ascendeu econômica, política e socialmente de tal maneira que como bem disse Clélio Erthal, se foi o ouro que revelou o norte fluminense, foi o café que a projetou. Na próxima semana, última parte: “A agonia do Solar do Gavião”.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.