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Os árabes sobem a Serra
quinta-feira, 20 de junho de 2013
Durante séculos, o Oriente Médio foi dominado pelo Império Turco-Otomano (de 1299 a 1922). Porém, com o fim da Primeira Guerra Mundial, esse império se desfez dividindo-se em 40 países. Os árabes, sob a dominação turca, viam na emigração uma alternativa para sair do jugo dos turco-otomanos. Professando a fé islâmica, os turcos perseguiam notadamente os árabes cristãos e em razão disso prevalecia a emigração de árabes libaneses formada por maioria cristã. O destino principal foi a América, e como os italianos, os árabes imaginavam estar emigrando para os Estados Unidos. Porém, boa parte deles teve que ficar no Brasil, o que não deixou de ser uma frustação. Na América, se estabeleceram principalmente em países como os Estados Unidos, Argentina e o Brasil. Os primeiros imigrantes árabes chegaram ao Brasil no último quartel do século XIX. A maioria era de origem libanesa e secundariamente síria, pelas razões apresentadas anteriormente. Como os árabes viviam sob o domínio turco-otomano em fins do século XIX, os seus passaportes eram expedidos por esse governo, e por isso, o vulgo os chamava de "turcos”. Desde então a confusão entre turcos e árabes foi frequente. Nos jornais de Nova Friburgo dessa época era generalizada a utilização da terminologia "turca” para se referir aos imigrantes árabes. No entanto, turcos e árabes não apreciam essa confusão.
Os imigrantes árabes eram vistos como morigerados, sem "faustos e exibições”, zelosos de suas crenças, tradições e orgulhosos de seu passado, por habitarem o berço da civilização. Significativa foi a presença árabe em Nova Friburgo. Em 19 de julho de 1919 foi criado o Centro Líbano-Friburguense, no intuito de irmanar todos os conterrâneos, prestar auxílio mútuo e promover a sociabilidade entre os seus pares. Mas por que a utilização da terminologia "libanês” e não árabe? Como a maior parte dos libaneses é cristã, normalmente procuravam desassociar a sua origem com os árabes, já que esses são majoritariamente muçulmanos. Há uma interessante nota policial sobre uma questão envolvendo empréstimo de dinheiro pelos "turcos” a cidadãos friburguenses, como atesta a matéria "Abuso”, publicada em O Friburguense de 21 de junho de 1903. Para o historiador, essa nota se traduz no seguinte: os árabes que vieram para Nova Friburgo não eram imigrantes pobres. Mascatear foi a profissão exercida pela maior parte dos árabes e décadas depois se sedentarizaram, alguns abrindo comércio de tecidos no centro da cidade e casas de bilhar. D. Martinha Francisco Lamblet Schuenck, descendente de suíços, nascida em Amparo, em 11 de novembro de 1879, em entrevista ao jornal Correio Friburguense(01/08/1987), recordando a sua juventude declarou que na localidade em que residia havia somente uma casa de negócios: "Era de uma turca”.
Apesar de vida efêmera, na década de 30, do século XX, foi criado o Clube Sírio e Libanês, localizado no fim da Praça Getúlio Vargas, para promover, como o seu antecessor, a sociabilidade entre os conterrâneos e igualmente atividades esportivas. Halim Abud foi um dos idealizadores do Friburgo Futebol Clube, fundado em 1914. Mas os árabes não se limitaram a Nova Friburgo. Em princípios do século XX, como o centro-norte fluminense gozava de grande prosperidade, muitos deles migraram para essa região. O Engenho Central Laranjeiras, em Itaocara, atraiu algumas famílias de negociantes árabes a exemplo dos Sarruf, Nacif e Nagib. Em Cantagalo, nos informa o historiador Clélio Erthal, por herança atávica não se dedicaram a agricultura, abrindo estabelecimentos comerciais depois de laboriosa adaptação como mascates. Imigraram em número significativo para Cantagalo e seus respectivos distritos as seguintes famílias: Nacif, Abrahão, Mansur, Richa, Daher, Fadel, Abi-Ramia, Habib, Zarif, Elias, Nacif, Miguel, Nara, Adib e Yunes. Voltando a Nova Friburgo, imigraram para a cidade serrana os Abi-Ramia, Rathes, Abbud, Gandur, Bechara, Jabour, Daher, Zarif, Dayer, Badini, Mussi, Baruck, Gastim, Nacif, Namen, entre outros. Os árabes podem ser colocados no panteão entre os imigrantes portugueses, suíços e alemães que tiveram uma efetiva participação na sociedade friburguense, mormente nas primeiras décadas do século XX. Atualmente, a comunidade libanesa de Nova Friburgo oficializou a Associação Cultural Líbano-Friburguense, mas não é tão articulada como no passado. No último evento da comunidade árabe foi celebrada uma missa maronita pelo padre libanês Ihab Chamoun, na capela de Santo Antônio, em português e árabe. Nos festejos da comunidade foi apresentado números da dança do ventre, apesar de essa dança não ser árabe, mas turca. E estamos mais uma vez entrando nesse sincretismo de culturas que fez a riqueza de nossa pátria e igualmente, a de Nova Friburgo.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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