O treze de maio

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Treze de maio, dia da libertação dos escravos. É sempre bom trazer à memória essa data. Foram três séculos e meio escravizando africanos. Como procuro restringir a minha coluna à história regional vamos falar um pouco sobre a escravidão em Nova Friburgo. Em nosso município não foi nada diferente do Brasil de um modo geral. Chegamos a ter a população escrava superior a de homens livres, em dado momento.

Tivemos igualmente um código de posturas que regulamentava a movimentação e vida cotidiana dos escravos na vila, o que comprova que não éramos uma ilha de homens brancos livres dentro do sistema escravocrata nacional. A escravidão estava tão impregnada na cultura nacional que mesmo colonos suíços e alemães passam a possuir escravos assim que a condição econômica lhes permite. Até mesmo o pároco suíço Jacob Joye adquire escravos e o aclamado médico suíço Jean Bazet, que dá nome a Câmara Municipal, tinha escravos ao ganho, segundo pesquisa recente de Rodrigo Marreto.

Um fato repetitivo acontece sempre que entrevisto descendentes de colonos suíços que prosperaram com a plantação de café, utilizando a mão de obra escrava. Todos afirmam que seus ancestrais libertaram seus escravos décadas antes da abolição. Como diz o jargão popular: “Filho feio, não tem pai”.

A história de Nova Friburgo apagou um pouco o espectro da escravidão porque perdeu, com a proclamação de República, duas freguesias que concentravam a produção cafeeira e igualmente o plantel de escravos: São José do Ribeirão, hoje pertencente ao município de Bom Jardim, e Nossa Senhora da Conceição do Paquequer, atual Sumidouro. Ambas eram responsáveis pela maior produção de café no termo de Nova Friburgo. Sumidouro parece ter sido a mais próspera de todas as freguesias em razão dos sobrados históricos que avistamos quando percorremos esse munícipio. Somam mais de 40 preservados até hoje, um importante patrimônio histórico em nossa região.

O fato de a linha férrea passar por esse munícipio denota igualmente a sua importância econômica. Logo, como o município perdera as duas maiores freguesias que concentravam escravos e paralelamente houve uma imigração significativa de italianos, portugueses, árabes e alguns espanhóis, em fins do século 19, o município foi “branqueando” e esquecendo o seu passado de sociedade escravocrata.

No jornal O Friburguense, em fins do século 19, o articulista se refere certa feita a um grupo denominado de “13 de maio”. Parece-me ser ex-escravos que vagavam pela cidade sem ocupação. É notório que o governo não deu a menor estrutura a esses homens e mulheres que passaram suas vidas no cativeiro, sem poder estabelecer vínculos familiares, sendo muito raro o caso de famílias escravas, e daí vagarem sem qualquer referência.

Passados mais de um século depois da abolição da escravidão, o governo brasileiro reconheceu o erro em não ter promovido a inserção de ex-escravos na sociedade. Promove o sistema cotas nas universidades públicas para reparar os erros do passado, sob protestos de uma grande parte da classe média, pois limita o acesso de seus filhos às universidades públicas. Treze de maio, tempo de lembrar, tempo de refletir sobre os quase quatro séculos de escravidão dos africanos no Brasil.

Sempre que faço pesquisa de campo em fazendas históricas adoro ir às plantações de café, quando ainda existem, e fico extasiada com a beleza dos seus frutos. No entanto, logo me vem à memória que toda essa extraordinária paisagem contrasta com o horror da escravidão, da dureza da vida do escravo no eito. Um escravo não vivia mais que oito anos trabalhando na lavoura de café em razão do trabalho extasiante e maus tratos por parte dos feitores.

Que venham muitos 13 de maio e que a memória da escravidão nos faça refletir sobre o passado e discutir a escravidão do presente, já que até hoje existem latifúndios pelo interior do Brasil com homens nessa condição de trabalho.

Foto da galeria
Representação de escravos em Nova Friburgo
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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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