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O Sanatório Naval em Nova Friburgo. A cidade de Friburgo – um vasto hospital de tuberculosos
Parte V
Na semana passada relatei que a Prefeitura, baseada em decreto-lei estadual, intimara o Sanatório Naval a deslocar o Hospital de Tuberculosos para um local mais afastado da cidade. Fez coro ao prefeito um empresário de uma das mais importantes e prósperas famílias da cidade: Augusto Spinelli. Spinelli declarara em artigo no jornal A Paz, que o H.T. “trazia estragos à população, à sua economia, vida social, à sua fama de cidade salubre, além de ser um foco de infecção pernicioso para os habitantes de Friburgo”. Este manifesto causou tamanho furor que mereceu uma resposta aberta à imprensa do então diretor do Sanatório Naval. A resposta do diretor, em forma de entrevista, inicia com um relatório sobre um quantum que o sanatório injetava na economia local anualmente, adquirindo gêneros no comércio, fora o que consumia seu corpo médico, pessoal administrativo e seus familiares, que habitando no município, também fomentavam a economia da cidade. A seguir, enumera a prestação de serviços que o sanatório realizava, gratuitamente, aos civis friburguenses, tais como consultas médicas, radiografias, radioscopias e exames de urina, fezes e sangue. Lembrou que antes do Departamento de Tisiologia para tratamento de tuberculosos ter sido instalado em Friburgo, em 1937, a cidade já era habitada por centenas de tuberculosos, exercendo suas múltiplas atividades, inclusive no comércio de gêneros alimentícios, colocando em perigo a população. Discorre ainda sobre todo o procedimento higiênico adotado no sanatório, como captação de água própria, tratamento do esgoto, esterilização de todos os objetos e que os ‘baixados’ só eram licenciados para ir à cidade quando apresentam negativo o exame do escarro. Terminou por criticar os tuberculosos que circulavam pela cidade sem qualquer repreensão e a falta de tratamento do esgoto do município, já que abrigava muitos destes doentes que para ali acorriam desde tempos imemoriais devido às características favoráveis de seu clima à cura da doença.
Diante deste episódio, percebe-se que Friburgo transformara-se, como bem definiu Augusto Spinelli, em um “vasto hospital”. Um diretor do Sanatório Naval assim declarou.“(...)Esses quarenta marinheiros tuberculosos, representam pequena parcela frente à esmagadora a maioria de muitas centenas de tuberculosos da cidade, que livremente habitam os prédios particulares, os hotéis e as pensões improvisadas e que são outros focos ambulantes de disseminação dessa triste enfermidade (...) concluímos que a cidade de Nova Friburgo é que constitui por si mesma, perigoso foco de tuberculose, tifo e outras doenças contagiosas, contaminando ainda as localidades vizinhas, pelo transporte fluvial de milhões de micróbios vivos, procedentes do lançamento direto aos rios da cidade de todos os excreta de seus habitantes, sem o menor tratamento de prévia depuração....”
Ao que parece esta foi a última investida contra o Sanatório Naval. Porém, para contemporizar e prevenir futuros reclamos, em 11 de junho de 1958, foi finalizada a obra da Escola Primária Sanatório Naval, iniciando as atividades escolares no ano seguinte. Funcionava em três turnos, sendo o terceiro noturno para alfabetização de adultos. Fornecia ainda merenda escolar, uniforme aos alunos, atividades esportivas e cinema às crianças. Estava selada a pax romana com Nova Friburgo.
A história do Sanatório Naval em Nova Friburgo só faz corroborar com o tipo de representação que se fazia à época da cidade, a de cidade salubre, onde o “clima e a água desta abençoada terra, dão alento aos vivos e ressuscitam os mortos; pode-se afoitamente dizer....”. Na próxima semana a transcrição de trechos da defesa de Friburgo por Rui Barbosa.
Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX. Para ler as matérias anteriores acesse historiadefriburgo.blogspot.com
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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