O repórter

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Na matéria de hoje, transcrevo a primeira crônica do periódico O Friburguense quando voltou a circular em 20 de julho de 1890. O último quartel do século XIX foi o século da imprensa e Nova Friburgo possuía diversos periódicos. Mas o objetivo é mostrar a visão do papel do repórter naquela sociedade que se urbanizava. A propósito, a palavra urbanidade era um adjetivo elogioso contrapondo-se à figura do roceiro, do homem do campo, incivilizado e grosseiro. Era na "urbs” de Nova Friburgo que o repórter extraía suas fontes, notadamente nos espaços de sociabilidade como os hotéis, em seus cafés: "Eis-me aqui vestidinho de ponto em branco. Vejam como estou bonitinho. Ai! Mocinhas galantes, vejam! Paletó branco de linho, calça idem do dito, colete de cetim azul, camisa branca francesa com abotoaduras beliscarias, chapéu de palhinha da Itália com fita tricolor e guarda-sol de paninho de duas vistas; e no peito, preso à cava do paletó, o indispensável distintivo dos rapazes de bom-tom, um cravo, acompanhados de raminhos de alecrim miúdo e arruda para esquivar-me das más olhadelas e dos quebrantos. Ora, vejam isto! Que rigorismo de moda! Hein? E dou um perfeito cavalheiro de Malta! O meu vestuário não está em relação ao tempo que atravessamos, estamos na força do inverno, faz frio de enregelar as costelas! Irra. Mas o que tem isto? Ando ao meu gosto, e quantas vezes na maior força do calor tenho-me encadernado num grande e pesado jaquetão que herdei não sei mesmo de que parente. Eu cá sou assim, são gostos extravagantes e... Como estou cansado e sem fazer nada! Sem fazer nada é um modo de falar abreviadamente, com certa dose de modéstia, pois que a dizer a verdade não conheço quem trabalhe mais do que eu. Não sou nenhum tocador de realejo nem doméstico macacos, mas, tenho cá meus palpites que altamente concorro para a salvação e prosperidade do país, com a minha reportagem; cada um tem o seu modo de vida. Sou, portanto, trabalhador útil, necessário e indispensável. Hoje em dia a nossa sociedade está constituída por tal modo que o repórter torna-se a alma e a vida do que vai pelo mundo. Sem o repórter está tudo morto, morto decididamente. Se o Sr. Comendador fulano de tal faz anos, lá vai o repórter pelos quatro ventos saudar a excelência pelo seu aniversário natalício. Se o senhor que é titular está indisposto por causa do peso dos anos ou achaques reumáticos, o repórter tem precisamente de averiguar o estado do nobre titular, se está de cama, quem é seu médico assistente e que amigos o têm visitado. Se a menina mais velha ou mais moça de um capitalista apanhou um resfriado e por isto está endefluxada e por causa do defluxo está espirrando, lá anda correndo do repórter atrás do pai da menina para saber como esta passou do seu defluxo e quantas vezes espirrou. Uma moça namorando um estudante, um vendedor de papagaios, uma galinha que cacareja, um galo que canta mais alto, nada passa sem a intervenção do repórter; de tudo tem ele de saber, de indagar; de tomar nota, de comunicar ao patrão, e isto com a velocidade tal que mal apenas se tenha ultimado o facto já ele esteja no prelo devidamente preparado para ter imediata publicidade. O repórter é o descobridor do mel de pão, vê tudo, escuta tudo; tem obrigação de saber tudo e de tudo escutar. Vê-se, pois, que quem é míope ou é surdo não serve, não tem capacidade para ser repórter. Para ser-se repórter é preciso reunir muitos e indispensáveis requisitos, como sejam: Ser bonito, simpático, insinuante, falar bem, ouvir melhor, ter boa vista, ser muito agradável, bastante inteligente, ser dotado de muito espírito, dispor de muita atividade; a este respeito precisa andar de maneira que não seja excedido pelo galope de um cavalo ou a carreira de uma locomotiva; finalmente o repórter deve ser enciclopédico e até adivinhador. Além disto, o repórter deve ter gosto no trajar, ser elegante, vestir-se no rigor da moda. Eu, graças a Deus, modéstia à parte, tenho todos esses predicados: mas par considera-me completo repórter, ainda me falta um predicado que, aliás, não é lá dos mais essenciais, sendo, entretanto, necessário frequentar Cafés! Não é porque eu não goste de entrar nessas casas nem fuja de tomar meu cafezinho. Oh! Quanto é apreciável, como é gostoso tomar-se uma chacarinha de café no Club Internacional ou no Hotel Engert! Depois tomar um "calixzinho” de conhaque! E fumar um charutinho de Havana! Como é delicioso isto! Não o tenho feito já para completar-me, por uma razão muito simples, faltam-me os cobres! Se houver por aí algum cavalheiro caritativo, amigo do progresso e queira por estas coisas em ordem, fazendo-me a despesa diária do café, conhaque e charutos, levante o dedo para o ar que eu receberei seu lance, enquanto, porém não aparecer quem se encarregue de tão filantrópica ação, eu vou me pondo em atitude de dar-vos o seguinte...” Passa ele então a dar notícia.


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora

de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook "História de Nova Friburgo”


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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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