O patriarcado fluminense e mineiro

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Brasil tinha tudo para se transformar em vários países, fragmentado. A vasta extensão territorial, as diferenças regionais e as divergências políticas e ideológicas favoreciam a divisão. Mas isso não ocorreu, o que intriga até hoje os historiadores. Uma das respostas foi que a criação da nobreza da terra favoreceu a unidade nacional, estrategicamente iniciada na época joanina, prosseguindo durante o Império, com D. Pedro II, no qual se concedia títulos de nobreza aos fazendeiros luso-brasileiros. A criação da Guarda Nacional, dando títulos de coronéis aos fazendeiros, não obstante não seguirem carreira militar, igualmente pode ter favorecido o incipiente nacionalismo. 

Nas primeiras décadas do século XIX, os proprietários rurais tinham hábitos espartanos. Eram simples e modestos em suas moradias, indumentária e notadamente no modo de viver. A aquisição dos títulos e condecorações que o Império lhes conferia os obrigava a possuir certa sofisticação, seguindo o exemplo dos fidalgos portugueses. A vinda da família real e de toda a Corte, em 1808, deve ter-lhes influenciado sobremaneira. 

Nos seus vastos domínios, a nobreza rural de barões, viscondes e marqueses sente-se na obrigação de assumir modos e maneiras aristocráticas em seus solares, condignas de sua alta posição. Uma atitude heráldica por excelência. Oliveira Viana, em "Populações Meridionais do Brasil”, demonstra três tipos de patriciado rural: o paulista, o mineiro e o fluminense. O potentado paulista prima pela puritate sanguinis, a pureza do sangue, já que descendem de fidalgos. Logo, com antigos pundonores aristocráticos, discorriam longas genealogias de suas famílias. Os potentados mineiros, de feitura patriarcal, tímidos, timbram pela simplicidade nas maneiras e atitudes, pela pureza dos costumes, pela sua modéstia, hospedeira bonomia e imaculada honradez. Homens da ordem e da paz, moderados, não aspiram e nem exercem a posição de líderes na política, contentando-se com a camaradagem. Já os potentados fluminenses são mais finos, mais polidos socialmente e cultos pela proximidade da Corte, apresentando pouco traço rural. O polimento urbano lhes corrige a rusticidade matuta. A região de Cantagalo e de Nova Friburgo abrigava, além do patriciado fluminense, o mineiro.

Fazendo um estudo da elite dessa região, podemos inferir ser perfeita a análise apresentada por Oliveira Viana. O Barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, recebeu seu título nobiliárquico em 1854. Era um homem polido e de refinado gosto. Seus filhos, Antônio Clemente Pinto, Conde de São Clemente, e Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, Conde de Nova Friburgo, eram igualmente sofisticados. Ambos se distinguiam pelo seu aticismo e tato pelas artes. O Palácio do Catete nos dá uma mostra do nível de requinte que a família adquiriu durante o Império. O lindo chalet no Country Clube e os seus jardins nos dão outra prova do nível de sofisticação da família. Elegantes nos modos e no trajar, seriam os "dandies” de sua época, uma espécie de "mauricinho” dos dias de hoje. O primeiro Barão de Duas Barras era mineiro. Homem singelo, era um caipira das matas quando migrou para região fluminense. Tinha costumes patriarcais mineiros. Tendo por hábito uma alimentação frugal, na sua mesa apareciam sempre a canjica, as pipocas, a couve, o caldo de unto e a rapadura. Já o seu filho, o segundo Barão de Duas Barras, era um tipo mais sofisticado, enquadrando-se no modelo fluminense. Construiu um lindo palacete na Rua General Osório (atual UFF) e abria amiúde os salões de sua residência para sofisticadas soirées.  

A respeitabilidade se afirma, outrossim, além dos títulos de nobreza, na patente de coronel da Guarda Nacional, uma milícia de fazendeiros criada pelo governo para atuar na iminência de uma insurreição. Conforme Oliveira Viana, o grande senhor rural tem destaque em seu meio e para ele convergem todos os olhares. A constante vigilância da sociedade obriga-o moralmente a ter uma atitude discreta, contida e moderada. Nos arraias, nos povoados e nas vilas é para ele que se volta a atenção do povo. Numa atmosfera de respeito e veneração, a sua atitude é de dignidade e de prudência, mesclada de bonomia e paternalismo. A circunspeção habitual dos potentados rurais é decorrente de sua posição de chefe, de quem tem um império, uma legião de trabalhadores na fazenda, empregados, crias, mucamas, oficiais de ofícios manuais, negros de eito, feitores, administradores, parentela, agregados, afilhados, clientela política, etc. Para guardar uma ascendência heril sobre toda essa gente, o potentado rural é forçado a tomar sempre atitudes circunspectas, reservadas, moderadas, imperativas, de reserva e severidade. O controle da vasta escravaria reforça o endurecimento comportamental. 

Dentro desse perfil poderíamos exemplificar em Nova Friburgo o coronel Galeano Emílio das Neves (1826-1916) e o seu filho, o coronel Chon Chon. Originário de Minas Gerais, do tronco familiar de Tancredo Neves, o coronel Galeano era um tipo patriarcal respeitado pelos friburguenses. Já o coronel Chon Chon era um tipo agressivo, político belicoso, não faltando relatos de sua beligerância em Nova Friburgo. São esses exemplos de atores políticos que podemos citar da elite local que se enquadram perfeitamente na brilhante análise de Oliveira Viana sobre o patriciado rural.  


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos

livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.