O passado manda lembranças — uma viagem de trem a Nova Friburgo - 18 de agosto 2011

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Conforme ata da Câmara de janeiro de 1870, a estrada de ferro foi logo percebida como o grande fomento de que precisava a então pacata vila de Nova Friburgo para trazer mais touristes à cidade. “Além disso, a estrada de ferro facilitará aos ricos que quiserem se distrair e aos doentes que se quiserem curar ou convalescer sob este clima doce, suave e ameno, cuja reputação é tradicional, um rápido e cômodo transporte. A serra da Boa Vista deixará de ser o espantalho dos habitantes de aquém e de além Nova Friburgo...”

O trem para Nova Friburgo partia diariamente às 7 da manhã da Estação de Maruhy, em Niterói. A barca que ficava em correspondência com esse expresso saía às 6h10 da manhã da Praça 15 de Novembro. O trem passava pelas estações do Porto da Madama, São Gonçalo, Alcântara, Guaxindiba e Itamby, sem fazer nenhuma parada. Chegava à estação de Porto das Caixas às 8 da manhã. Essa estação, que ficava a 34 km de Maruhy, era uma parada providencial para se adquirir, dos vendedores de frutas, cambucás, laranja, tangerina, lima, limão-doce, jabuticaba, fruta do conde, abacaxi, melancia, sapoti, abacate, etc. Mas para a viagem levava-se ainda um farnel com cestas de frango assado e uma lata repleta de pastéis. Os homens usavam guarda-pó. Na cabeça, um lenço com nós nas quatro pontas para proteger os cabelos do pó do carvão expelido pelo trem e da poeira da estrada. Vendedores das apreciadas orquídeas (parasitas), a Catléia Harrisonia, enchiam os olhos principalmente dos estrangeiros, como os ingleses, apreciadores dessa planta nativa. No botequim da estação, um café acompanhado de bolo de arroz ou de milho.

A Vila de Porto das Caixas fora outrora lugar de grande comércio e parada dos tropeiros que transportavam café de Cantagalo. Nessa estação, a linha bifurca-se, seguindo a de Cantagalo para a esquerda e a de Campos para a direita. Passa-se por pontes, pontilhões e avistam-se as ruínas da Igreja do Convento dos Jesuítas. De Porto das Caixas chega-se a Sant’Anna de Japuhyba às 8h35 da manhã, com pequenas paradas em Sambaetiba e Papucaia. Segue o trem então rumo a Cachoeiras sempre guiado pelo Rio Macacu. Próximo às 9 da manhã, depois de um percurso de 73 km, chega-se a Cachoeiras de Macacu. Mais uma parada para o lanche, onde se encontram no botequim, café, pão de loth, beijus e bananas. Nessa estação, faz-se a mudança da locomotiva por outra mais apropriada à subida da serra. Segue o trem, passando logo depois da saída da estação por uma ponte sobre o Rio Macacu e chega-se a estação da Boca do Mato onde o trem fica por pouco tempo. Dessa estação é que realmente começa a subida da serra longa e majestosa de Nova Friburgo, onde o trem serpenteava, animado pelo vapor de suas máquinas possantes, e sob uma chuva de fogo a cair sobre o comboio. Na serra, a viagem de trem transportava o espírito do viajante para um abismo na confusa expressão de suas brumas. Quando a paisagem então se descortina, “tem-se a ideia de que o trem se encaminha para o céu, para um reinado de nuvens, em meio a árvores em flor e na fresca e suave aragem que sai de suas florestas. Desde o alto da serra que tudo é cantante: a mata, o riacho que se atira pelo declive, o agricultor montanhês que traz o produto de sua roça ao mercado, os seus sítios, suas granjas trabalhadas à margem da estrada que corre ao lado da de rodagem, até que afinal o silvo da locomotiva anuncia Friburgo com o seu voo de pombos à entrada!”, assim descreveu um viajante na matéria “Pérola Esquecida”, em O Nova Friburgo, de 9 de maio de 1937.

Passados vinte e cinco minutos de subida por entre altas montanhas, matas virgens e tendo sempre à direita o Rio Macacu, repleto de cachoeiras, chega-se ao Posto do Penna, no meio da serra, no quilômetro 86, já numa altura de 586 metros acima do nível do mar. Já no quilômetro 90 alcança-se o Posto do Registro encontrando-se o trem já numa altitude de 732 metros. Uma pequena parada para a máquina do trem “tomar água” e os passageiros aproveitam igualmente para se refrescar bebendo água que corre em uma pequena fonte artificial. Do Posto do Registro até a Estação de Theodoro de Oliveira (km 93), conhecido como o Vale do Santo Antonio, leva-se doze minutos. Chega-se a essa estação por volta da dez horas e depois de uma pequena parada, para mudar de novo a locomotiva, parte-se para a tranquila cidade serrana de Nova Friburgo, já agora o trem acompanhado pelo Rio Santo Antônio. Avista-se então a represa de abastecimento d’água de Nova Friburgo onde o rio precipita-se formando uma bela cachoeira, denominada de Hans. Descendo o trem, alcança-se a Ponte da Saudade. Esse pitoresco lugar foi assim denominado porque essa ponte era a última parada das pessoas que acompanhavam os que partiam em viagem a cavalo ao Rio de Janeiro. Faltando um quilômetro para chegar à estação da cidade (hoje a Prefeitura Municipal) a maria fumaça, ou cavalo de ferro, apita, anunciando estrepitosamente a sua chegada. Depois de ter feito um percurso de 108 km partindo de Niterói, chega a Nova Friburgo. Quando de sua entrada na cidade, os meninos tinham por hábito brincar na linha do trem, exibindo-se para as meninas. Costumavam ficar sobre os trilhos aguardando o trem e quando esse se aproximava permaneciam até o último instante. O maquinista apavorado, sem poder frear o trem rapidamente, apitava, apitava e os “capetas” rodopiavam cada vez mais sobre os trilhos. Só saltavam fora dos trilhos no último instante... Na viagem de trem a Nova Friburgo, o passado manda lembranças.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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