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O pão e o circo
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Paul Veyne, em “O Império Greco-Romano”, coloca que as festas, não importa a época em que nos situemos, quebram o ritmo da vida cotidiana. Segundo ele, uma originalidade da civilização greco-romana é haver institucionalizado os prazeres da festa: romper com o cotidiano, ficar alegre e sentir-se alguém, compartilhando a alegria de muitos outros e exercer um dos direitos do cidadão.
Vamos traçar aqui um breve panorama sobre as formas de sociabilidade dos friburguenses no início do século XIX. É sabido que nessa época os fazendeiros residiam em suas fazendas e apenas em ocasiões muito pontuais se dirigiam à vila: ou para as sessões na Câmara Municipal quando eram vereadores, ou nos ofícios religiosos, ou na aquisição de ferramentas, ou em alguma atividade comercial ou para as festas. Os bailes nos parece fazer parte do cotidiano na vila. A Câmara Municipal certa feita os proibiu já que a mistura de “toda classe de gente” acabava resultando em desordens. Os particulares que desejassem dar bailes em suas residências deveriam primeiro tirar uma licença junto à Câmara. Nos primeiros hotéis que surgem na vila, o Leuenroth e o Salusse, ocorriam alguns bailes, muitos em prol da filantropia. Na Casa da Câmara funcionava as audiências da justiça, os ofícios religiosos, os exames para a juventude e o salão de baile, registrou o cientista alemão Hermann Burmeister, que esteve na vila em 1850. As posturas de 1849 proibiam dentro das residências “tumultos e alaridos” a qualquer hora e bem assim “cantares, danças e festins estrepitosos” da meia-noite em diante. Excetuando-se os “espetáculos”, era proibido nas oficinas, casas de negócio de qualquer natureza e qualquer ambiente aberto ao público, o “ajuntamento de pessoas com danças e cantigas estrepitosas ou com alaridos e vozerias”.
Em 1833, há o registro de uma casa de bilhar. O hoteleiro francês Guilherme Salusse promovia jogos de bilhares e de carrocim. Em 1835, “armadores de teatros” e de fogos de artifício pagaram licença na Câmara para se apresentarem na vila. Boa parte da quebra da rotina se devia aos artistas mambembes que representavam dramas, comédias e pantomimas. Apareciam na pacata vila artistas com apresentação de “divertimento de mágica” (1838), de companhias de equitação equestre (1846) ou circo de cavalinhos. Era na Praça Princesa Isabel (atual Getúlio Vargas) que “plantavam” suas tendas. As “casas de pasto”, de bebidas e as casas de jogos eram igualmente espaços de sociabilidade. Porém, eram proibidos jogos de passar quantias de dinheiro sobre a sorte, de cartas, roletas, roda da fortuna e dados. As corridas de touros eram absolutamente proibidas na vila.
Como dito antes, nas casas de negócio não se permitia o ajuntamento de pessoas com danças, cantigas estrepitosas, alaridos e vozerias, salvo quando houvesse um espetáculo. Eram igualmente proibidas as casas de batuques ou de ajuntamento de escravos com danças e cantorias. Os infratores sofreriam pena de prisão e multa e os escravos seriam castigados com 50 a 100 açoites. Apenas era permitido nas horas do silêncio o canto, o toque de instrumentos e danças a pessoas de condição livre. Com exceção das casas de pasto e as de jogos, os estabelecimentos comerciais deveriam fechar ao sinal de recolher, geralmente às 18 horas com o toque do sino de uma igreja, ou até às dez horas da noite.
Em quaisquer festins e divertimentos públicos pelas ruas, praças ou arraiais, nenhuma pessoa poderia andar sozinha mascarada ou disfarçada sem prévia autorização da autoridade policial. Era absolutamente proibido o jogo do entrudo. Duas grandes feiras anuais igualmente congregavam a população das freguesias. Nova Friburgo possuía quatro freguesias: a de São João Batista (vila), São José do Ribeirão (Amparo, parte de Bom Jardim), Sebastiana (Campo do Coelho, Salinas) e Nossa Senhora da Conceição do Paquequer (hoje Sumidouro), as três últimas grandes regiões produtoras de café e lavoura branca (milho e feijão). A Câmara Municipal premiava os lavradores, criadores e “industriosos” que a elas concorressem. No caso dos “industriosos” premiava-se o que apresentasse veículo de condução adaptado aos caminhos do município ou máquinas ou instrumentos rurais de maior utilidade. Os artistas que apresentassem qualquer espetáculo ou divertimento gratuito, ou uma boa queima de fogos de artifício, também recebiam uma premiação.
Apesar de referências da existência de bailes e espetáculos de artistas mambembes, na realidade, deve-se às festas religiosas em tributo aos santos, com São João, São Pedro e aos oragos das freguesias, a sociabilidade mundana da população friburguense à época. Era dessa forma que provavelmente se divertiam os friburguenses na primeira metade do século XIX. Na Antiguidade, o filósofo e orador romano Cícero escreveu que os benefícios concedidos aos cidadãos são a cidadania, as instituições civis e judiciárias, as festas e os espetáculos. Eram duas as exigências da natureza: o pão e o circo.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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