O naturalista Burmeister em Nova Friburgo—O cotidiano da vila

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Até o início do século XIX, o acesso de estrangeiros ao Brasil era extremamente restrito. No entanto, com a abertura dos portos e particularmente o estabelecimento da família real e toda a corte na colônia, o país atrairia uma chusma de cientistas, viajantes, religiosos ou meros curiosos. Os intrépidos bávaros Spix e Martius percorreram de 1817 a 1820, quase todo o Brasil e o reinado de D. João VI se converteria em um verdadeiro ponto de encontro de estrangeiros na colônia. Não podemos nos esquecer ainda da missão artística chefiada por Joaquim Lebreton que chegou ao Brasil em 1816, a convite do rei, tendo aqui aportado Jean-Baptiste Debret, pintor neoclássico, que deixaria algumas representações da colônia de Nova Friburgo. O relato dos viajantes que estiveram no Brasil, notadamente no século XIX, as impressões e iconografias produzidas por eles sobre a cultura, a fauna, a flora e os habitantes, são uma das mais importantes fontes para os historiadores que retratam o cotidiano de uma sociedade. 
 Quem passou por Nova Friburgo em meados do século XIX foi o respeitado médico, paleontólogo, geólogo e zoólogo alemão Karl Hermann Burmeister(1807-1892). O cientista e naturalista Burmeister viajou para o Brasil em 1850 e sua viagem científica o levou a conhecer a vila de Nova Friburgo, Mariana, Ouro Preto, entre outras cidades. Em reconhecimento por seu mérito científico, Burmeister foi condecorado pelo rei Guilherme I da Prússia com a Cruz da 3ª classe da Ordem da Coroa, e por D. Pedro II foi nomeado Dignitário da Ordem da Rosa. O seu manual de entomologia é considerado por muitos pesquisadores como uma verdadeira bíblia. Burmeister chegou a Nova Friburgo na véspera do Natal, em 24 de dezembro 1851, e nos revela um pouco do cotidiano da pacata vila. Hospedando-se no hotel Leuenroth, de propriedade de hamburgueses natos, registrou que a hospedaria fornecia três refeições diárias: às 9 horas da manhã, às 2 horas da tarde e às 8 horas da noite. Na sala de jantar, reunia-se a família Leuenroth e junto à parede, enfileiravam-se os criados pretos: “Minha permanência em Nova Friburgo tinha uma dupla finalidade: dedicar-me com maior sossego e cuidado do que no Rio [de Janeiro] ao estudo da natureza e, ao mesmo tempo, fortificar meu organismo por meio de banhos frios, a fim de poder empreender viagem mais extensa pelo interior do país. Vivia nessa cidade um colecionador que já conhecia havia anos, o Sr. Carl Heinrich Bescke, de Hamburgo, com o qual já mantinha correspondência desde muito tempo e que me poderia ser imensamente útil na realização dos meus intentos. Foi, em parte, por causa dele que resolvi visitar Nova Friburgo em primeiro lugar.” Ao que parece, não estivera com Bescke, pois Tschudi nos informa que o naturalista falecera em 1851, tendo fornecido copioso material botânico e zoológico aos museus da Europa.
A seguir, Burmeister menciona uma visita ao renomado Colégio Freese, impressionando-se que uma vila tão modesta tivesse um estabelecimento educacional de alto nível, “à altura dos melhores existentes no país”. Tratava-se do Instituto Colegial Freese, do inglês John Henry Freese, fundado em 1º de julho de 1841, que formou a elite política e profissionais liberais do Império: “Não conhecia suficientemente o português para manter uma conversação fluente nessa língua. O fato de ter sido recomendado à família do Sr. Sinimbu, juiz de direito da província, foi-me muitíssimo agradável, pois não somente encontrei nesse círculo sobremodo amável e culto costumes genuinamente europeus, como também pude conversar em francês, inglês e até em alemão(...)Além disto, visitei somente o diretor do grande Instituto de Educação de Nova Friburgo, o Sr. John Heinrich Freese, cujo estabelecimento fica à altura dos melhores existentes no país. O grande conjunto de edifícios do mesmo está situado um pouco fora da cidade, ao pé de uma colina coberta de mato, que lhe pertence. É formado por uma série de construções em redor de um espaçoso pátio, onde se encontram as moradias dos professores, as salas de aulas e os dormitórios dos alunos. As salas destinadas a reuniões e exames, o oratório e mais dependências do instituto não fica a dever nada, quanto às instalações, às suas congêneres europeias. Durante minha estada em Nova Friburgo, o colégio, que já antes tivera 80 alunos, contava então com 60, pois a instalação de outro instituo semelhante em Petrópolis, fizera com que sua frequência diminuísse. As matérias ministradas eram o grego, latim, inglês, francês, alemão e português; religião, matemática, geografia, história, história natural, física, astronomia em geral, desenho, contabilidade e cálculo, etc. O curso era de seis anos ou classes das quais a superior corresponde à segunda nos nossos ginásios. O grego ensina-se somente no último ano, latim desde o quarto, o inglês desde o segundo e o francês e o alemão nos dois últimos. Quanto às outras matérias, religião, português e matemática, ensinavam-se em todos os anos letivos, sendo esta última ministrada apenas em seus rudimentos, no primeiro ano. Geografia ensinava-se somente nos quatro anos superiores e história nos dois últimos. As outras matérias eram divididas entre certas classes ou seções equiparadas. Havia nesse colégio, além do diretor, cinco professores, todos eles portugueses, com os quais, aliás, não tive maior aproximação. (...) A rica biblioteca que mantinha foi de grande interesse para mim. Encontrei nela várias obras de história, geografia e ciências comerciais em francês e inglês. O próprio Sr. Freese organizara alguns livros didáticos sobre estas matérias, as quais ele igualmente ensinava no instituto. O que ele escrevera sobre ciências comerciais teve várias edições, originalmente em inglês, e foi introduzido em diversas escolas dos Estados Unidos da América do Norte.” 
Continua na próxima semana.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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