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O mito da igualdade racial - 2 de dezembro.
Gilberto Freyre, não obstante a genialidade de sua obra sobre a história do Brasil, adocicou com o açúcar colonial as relações raciais em nosso país, descrevendo um idílico cenário de democracia racial brasileira. Freyre argumentava que a distância social, no Brasil, fora resultado muito mais de diferenças de classe do que de preconceitos de cor ou raça. No entanto, cientistas sociais dos anos 60 – a exemplo de Florestan Fernandes, o principal estudioso das relações raciais no Brasil – comprovaram exatamente o contrário, ou seja, que havia em nossa sociedade a exclusão social de pessoas em decorrência de sua cor. Não houvesse o preconceito das elites brancas no Brasil contra a raça negra, Machado de Assis não seria perseguido em toda a sua vida por três pesadelos: seus ataques epiléticos, sua origem modesta e sua cor mulata, três fontes de medo, ansiedade e vergonha. Mas nos reportemos à Nova Friburgo.
Na virada para o século 20, Nova Friburgo possuía 67% de sua população constituída por brancos e 32% entre negros, mestiços e caboclos. Como resultado da prevalência da raça branca sobre a negra e mestiça, percebe-se nas memórias de alguns friburguenses que nasceram nos primeiros decênios do século 20 um preconceito de raça, provocadas possivelmente pelas ideias eugenistas que tiveram boa recepção no município, a exemplo do que professava o professor Júlio Caboclo, que ironicamente tinha um sobrenome que não condizia com suas ideias de superioridade de uma raça sobre a outra. Mas passemos às memórias. Nondas da Cunha Ferreira, agricultor de Mury, nascido em 1929, nos traz um interessante relato: “Eu ouvi falar, mas não posso provar, que a escravidão em Friburgo acabou mais cedo. Os alemães e suíços eram muito racistas e então eles alforriaram os escravos mais cedo para sair da cidade e que fossem para os outros municípios. Eu me lembro de uma época que eu tinha lá os meus 10 anos, eu guardo muita coisa, modéstia à parte, e então a fábrica [refere-se às indústrias que se instalaram em Friburgo a partir de 1910] tinha lá os seus mil e poucos operários e tinha uma colourede só. Querendo ou não querendo, a maior parte do mundo é racista (...) e ninguém pode tirar essa ideia de ninguém. (...) Sem dúvida nenhuma, hoje as pessoas escondem as coisas, era [no passado] um racismo sem transparência”. Curiosamente, a Praça do Suspiro, que tinha recebido o nome de Praça 13 de Maio, pela Câmara Municipal, em ata da sessão extraordinária de 21 de maio de 1888, em homenagem à extinção da escravidão no Brasil, perdeu esse nome no decorrer dos anos, um fato que merece ser investigado. Uma situação envolvendo a intolerância racial ocorreu com o Esperança Futebol Clube. Esse clube escolhera as cores pretas e brancas. Mas essas cores logo despertaram a ironia e o sarcasmo, pois havia muitos mulatos no time, associando a cor preta e branca à mulatice dos jogadores. A diretoria do clube, incomodada com a gaiatice da população, mudou as cores do time para verde e branca. Ainda com relação às memórias, segundo relatos, havia em Nova Friburgo, na Praça Getúlio Vargas, duas alamedas: em uma alameda passava os ricos e brancos; na outra, a classe popular e as “pessoas de cor”. Por outro lado, no Grito da Mocidade, um bar próximo à Casa de Moças Damas, na subida do cemitério, homens brancos eram proibidos de frequentar, salvo raras exceções.
No entanto, transcorridos três séculos e meio de escravidão de africanos na história do Brasil, cada um procurou fazer a sua parte e Nova Friburgo assim o fez. O Decreto municipal n° 47, de novembro de 1983, institucionalizou o movimento negro e igualmente a sua bandeira. Nesse documento, reconhece-se que na história do município, quando os colonos aqui chegaram, já encontraram negros a mourejar na construção dos alicerces sobre os quais se construiria Nova Friburgo. O decreto é afirmativo, declarando que o povo friburguense deseja redimir-se das injustiças praticadas contra os seus irmãos negros no decorrer de sua história. A bandeira do movimento negro é composta de três faixas horizontais, de igual largura, com as seguintes cores e respectivas representações: vermelho, representando o sangue e a vida dos povos negros; o negro, representando a raça negra; e finalmente o verde, a esperança de dias melhores e igualmente a natureza, com quem a raça negra sempre soube conviver harmonicamente. Essa bandeira encontra-se no panteão juntamente com as outras bandeiras dos povos que colonizaram o município. Nova Friburgo redimiu-se, ao menos em nível institucional, de uma injustiça social. Apesar da crítica inicial que fiz a Gilberto Freyre, finalizemos com uma frase sua sobre a cultura nacional: “O Brasil parece que nunca será, como a Argentina, um país quase europeu; nem como o México, ou o Paraguai, quase ameríndio. A substância da cultura africana permanecerá em nós através de toda a nossa formação e consolidação em nação.”

Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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