O jogo de malha e de bocha

domingo, 31 de julho de 2011

Os italianos começaram a imigrar para Nova Friburgo na década de 80 do século XIX, e desde então tiveram uma participação significativa na cidade, notadamente como construtores, prestadores de serviço e em atividades culturais. Ficando no ostracismo da sociedade friburguense a partir de meados do século XX, pode-se atribuir este fato à Segunda Guerra Mundial (1939-45), que colocou italianos e alemães em Nova Friburgo em uma verdadeira saia-justa, devido ao fascismo e ao nazismo, respectivamente. Através de leituras dos jornais do final do século XIX, pode-se afirmar que a presença italiana em Nova Friburgo foi muito mais pungente. Eram uma verdadeira “falange”, como definiu certo jornal, e pode ter sido ofuscada, assim como a colônia portuguesa, pela construção do mito da Suíça Brasileira, que privilegiava a imigração suíça. A matéria de hoje é para tratar da sociabilidade de homens simples, originária de uma prática esportiva própria de imigrantes italianos: o jogo de malha e de bocha. Ouvimos Antonio Senna, nascido em 1932, filho de um italiano cujo nome é homônimo ao seu. Carabineiro, natural de Veneza, o pai de Senna veio para o Brasil em 1917, juntamente com outros italianos, fugindo da guerra (1914-18). Em Nova Friburgo foi carroceiro, profissão abraçada pela maioria dos imigrantes italianos sem recursos. Fazia frete levando a carga de farinha de trigo da estação de trem (hoje Polícia Militar) e distribuía entre as padarias da cidade.

Em entrevista, Antonio Senna nos fala de uma forma de sociabilidade introduzida pelos imigrantes italianos em Nova Friburgo: o jogo de malha. Segundo ele, o jogo de malha é um esporte genuinamente friburguense, criado por imigrantes italianos. O primeiro clube de malha surgiu em 1940, por iniciativa Júlio Thurler, Júlio Nideck, e de outros desportistas. Os clubes possuíam sócios proprietários e sócios contribuintes. O jogo de malha era praticado em uma quadra de 32 metros de comprimento, de largura estreita, com dois círculos de 40x40cm nas duas extremidades da quadra. A pista era de chão, levando apenas uma fina camada de areia. A Praça Dermeval já serviu de pista de malha em certa ocasião. Jogava-se em dupla e cada uma ficava nas extremidades da quadra. O objetivo do jogo era acertar um toco de madeira, o “vinte”, de forma que a malha não saísse do círculo. Eram 30 minutos de jogo e fazia-se a contagem dos pontos no decorrer desse tempo. Havia dois juízes que ficavam do lado de fora, no meio da quadra, sentados à mesa e fazendo a marcação dos pontos. A malha, adquirida da Cia. Ferroviária Leopoldina, pesava 1,2 kg aproximadamente, sendo feita de “aço rápido” que batiam, “faziam fundição” e passavam vela para dar mais efeito, adaptando-a. Cada jogador confeccionava sua própria malha. Era um jogo que envolvia muito mais a habilidade do que a força, não obstante o peso da malha.

Na primeira metade do século XX, havia os seguintes clubes de malha em Nova Friburgo: Conselheiro, Friburgo (próximo a Ferragens Haga), Paissandu (no Recanto da Beira Rio, no final da Rua Baronesa), Rendas, Olaria, Ypu, Catarcione, Floriano Peixoto (Perissê) e Amparo. Os clubes apesar de ter nomes dos bairros, não eram bairristas. Uma pessoa de um bairro poderia pertencer a um clube de outro bairro. Cada clube tinha um time com seis duplas. Os campeonatos eram extensos, durando oito meses, e se iniciavam no verão. As competições ocorriam em todas as quadras dos clubes de malha, realizadas nos fins de semana onde havia muita torcida. O campeonato envolvia ainda times de outros municípios, a exemplo de Cordeiro. Foram grandes nomes entre os jogadores de malha: Orestes, Mussi, Senna, Renne, Pecci, Machado, etc. Havia em Nova Friburgo além do jogo de malha a prática do jogo de bocha, ou melhor, “cancha de bocha”, segundo César Lívio, igualmente descendente de imigrantes italianos. Bocha é um esporte jogado entre duas pessoas ou duas equipes, sendo quatro bochas (bolas) para cada equipe, ou seja, duas para cada jogador. O esporte consiste em lançar bochas e situá-las o mais perto possível de um bolim (bola pequena), previamente lançado. O adversário por sua vez, tentará situar as suas bolas mais perto ainda do bolim, ou remover as bolas dos seus oponentes. Aparentemente complexo, quando nos ocupamos em descrever as suas regras por escrito, na realidade, é um jogo simples. Atribuiu-se o seu surgimento ao tempo do Império Romano e foi trazido pelos italianos para a América.

Mas essas práticas desportivas desapareceram em Nova Friburgo. Na década de 90 do século XX, o jogo de malha e bocha já não eram praticados em Nova Friburgo. E por que acabou? Foram perdendo o interesse, declara Antonio Senna. Mas buscar explicações sobre o desaparecimento dessas práticas mereceria uma outra matéria. O importante é registrar aqui a influência dos imigrantes italianos na sociabilidade do friburguense. Igualmente podemos atribuir ao “bolão” como uma prática desportiva introduzida pelos imigrantes alemães em Nova Friburgo. O cotidiano não é algo meramente residual, e é através de sua análise que podemos encontrar elementos que edificam construções históricas. No caso em epígrafe, a influência dos imigrantes italianos na sociabilidade de homens simples em Nova Friburgo.

Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX. Para ler as matérias anteriores acesse historiadefriburgo.blogspot.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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