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O imposto de sangue - A Imigração Alemã - Parte 2 - 17 de março 2011
A independência do Brasil, em 1822, criou um foco de tensão entre o Brasil e Portugal. O Brasil sofreu algumas investidas militares por parte de Portugal e só não sucumbiu porque as finanças de Portugal e a crise política interna não permitiam uma guerra contra a independente nação. O temor da recolonização dominava o espírito público da época. Portugal somente viria a reconhecer a independência do Brasil em 1825. A Guerra da Independência nem havia começado e os alarmantes boatos de que Portugal estava mobilizando uma colossal expedição punitiva, para neutralizar as veleidades separatistas dos brasileiros, não deixavam o Imperador D. Pedro I dormir sossegado. D. Pedro I procurou se preparar para a iminência de uma guerra entre o Brasil e Portugal. As províncias do nordeste apoiavam a Metrópole e o movimento separatista ameaçava desmembrar essas províncias do país. O movimento republicano em Pernambuco recrudescia. Não bastasse isso, havia a iminência de um conflito armado contra as Províncias Unidas do Rio da Prata(Argentina) pela conquista do Uruguai. A solução para a Questão Cisplatina projetava-se como eminentemente militar e a guerra acabou ocorrendo no período de 1825 a 1828. Com todas essas tensões envolvendo questões externas e internas, D. Pedro I voltou sua atenção para as Forças Armadas legadas de seu pai, D. João VI. Foi uma decepção. As tropas brasileiras não passavam de milícias mal armadas e indisciplinadas e os oficiais, todos portugueses, não gozavam da confiança de D. Pedro I.
A história do recrutamento no Brasil e a obrigação de servir nas Forças Armadas, o imposto de sangue, não fosse trágica, seria cômica. A maior parte era de recrutas da Armada forçados na base do “pau e da corda”. Vagabundos e delinquentes sempre foram alvo predileto das autoridades encarregadas do recrutamento militar. Quando o governo necessitava recrutar, esperava pelas festas religiosas e pegava na rede uma enorme quantidade de rapazes que inocentemente se divertiam nos folguedos. Muitas vezes, promoviam maviosas retretas nas praças para atrair o povo e tão logo a rapaziada chegava para saber o motivo da festa, uma patrulha, até então escondida, caía-lhes em cima, e na base do pau e da corda, despachavam os rapazes para os quartéis do Rio de Janeiro. Em Nova Friburgo, por ocasião da Revolução de 30, foi dissimulada uma partida de futebol, no Campo do Friburgo, onde se objetivava, tão somente, arregimentar recrutas. Nessa ocasião, ao invés da lembrança de um divertido jogo de futebol, o que alguns rapazes levaram para casa foi um uniforme para lutar junto as forças legalistas lideradas em Friburgo por Galdino do Vale Filho. Retornando ao século 19, há registros de que os recrutas eram conduzidos acorrentados, manietados em grupo, como se fazia com os escravos, até o Rio de Janeiro, e isso sem receber qualquer alimentação. Os mais rebeldes eram conduzidos com gargalheiras, uma coleira de ferro com uma pua, a mesma utilizada em escravos fujões. Uma escolta os seguia armada até os dentes, e vez por outra baixavam o cacete nos mais desaforados. Chegando ao Rio de Janeiro, os escravos saudavam com ensurdecedoras zombarias os desgraçados recrutas. Muitos eram provedores de família, o que gerou reclamação junto ao governo. Para tanto, passaram a ficar isentos, ao menos teoricamente, agricultores, carpinteiros, tropeiros, etc. Escravos libertos eram o alvo predileto dos recrutadores para formar o Batalhão de Pretos Libertos. Com o Exército e a Marinha competindo nessa surrealista busca de homens para seus quadros, não era de admirar que em determinados momentos não houvesse mais vagabundos, delinquentes ou negros forros nas vilas e cidades brasileiras. As Forças Armadas eram temidas devido aos castigos corporais, extremamente cruéis, onde o chicote corria solto a qualquer desvio de conduta de um soldado. A punição aplicada era de centenas de chicotadas diante da tropa formada.
O ethos militar tem na hierarquia e na disciplina os seus pilares, mas no Exército brasileiro de antanho a disciplina era algo ainda incipiente. Não havia qualquer tipo de instrução, exercícios militares ou manobras. A tropa passava anos sem disparar um só tiro. A cachaça era consumida o dia inteiro nos quartéis. Um mercenário alemão descreveu um batalhão composto por soldados brasileiros como verdadeiros mondrongos: “O aspecto de um destes batalhões brasileiros de linha, com seus grotescos fardamentos de gala (...), com as suas bandas de música mascaradas de hussares e ulanos, ricamente agaloadas, era na realidade, tão peculiarmente cômico, que nos relembra os teatros de títeres e as estampas coloridas do tempo de nossa infância. Aqui perfila-se um negro, com a sua chata e inexpressiva fisionomia africana, entre um feio mulato amarelo e um índio acobreado. (...) De quando em quando observa-se na fileira um brasileiro pálido e franzino. A todos, porém, falece igualmente o garbo marcial, a atitude e o desenvolvimento físico que caracterizam o soldado europeu. Homens altos e baixos, velhos e moços, indivíduos esbeltos e outros curvados pelo antigo labor de escravo, formam ali uns ao lado dos outros, na mesma fila. E entretanto, estes chamados soldados são admiráveis em suportar privações, quer em marcha, quer acampados. Possuem uma rijeza de corpo, uma taciturna e indolente docilidade, e uma sobriedade em comer e em beber, que os habilitam a transpor, como carregadores, as vastas paragens desertas da América Meridional, sem que jamais lhes ocorra indagar para onde são conduzidos, ou porque motivo real têm de marchar.” Diante dessa conjuntura, o Imperador D. Pedro I voltou sua atenção para a contratação de mercenários para a garantia de seu vacilante trono. Na próxima semana “A Busca por Mercenários Alemães”.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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