O Grito da Mocidade de Otávio

quinta-feira, 03 de agosto de 2017

Dos anos 30 até princípios dos anos 50 do século 20, funcionou em Nova Friburgo o bar Grito da Mocidade, frequentado somente por pessoas negras que se divertiam dançando, namorando e participando de encenações teatrais. Pertencia a Otávio, mais conhecido como Otávio do Grito da Mocidade, um homem forte e negro, maquinista-foguista da Estrada de Ferro Leopoldina. Funcionava na Rua Gonçalves Dias, no centro da cidade, próximo a prefeitura, igualmente rua do meretrício, na famosa Casa de Dona Sofia. Não obstante Otávio autorizar apenas a frequência de pessoas negras em seu bar, permitia que alguns brancos da alta sociedade o frequentassem, a exemplo de Luiz Braune, dono de um cartório na Rua Ernesto Brasílio. Os bailes em seu comércio eram animados por uma vitrola tocando boleros, sambas-canções, choros, guaranias e tangos. Otávio acompanhava as canções tocando um bumbo cuja vaqueta funcionava também como um cassetete para manter a ordem no bar. Quando alguém ameaçava a boa conduta de sua casa, Otávio descia a vaqueta na cabeça do malandro, quando não o jogava pela janela, homem forte que era, lutador de box.

Na ditadura do Estado Novo, decretada por Getúlio Vargas, um delegado nortista conhecido como Tenente Duval foi nomeado para manter a ordem político-social em Nova Friburgo. Homem famoso pela sua perversidade e despotismo, implantou um período de terror na cidade, andando com dois revólveres bem à mostra na cintura, sempre acompanhado de dois guardas igualmente bem armados. Entrava em brigas, atirava a ermo e a população friburguense evitava os locais onde o valente delegado frequentava com seus capangas.

Em um domingo, jogavam os times Friburgo e Esperança e o segundo ganhou a partida por um a zero. Otávio comemorou a vitória do Esperança, seu time do coração, festejando na Praça Marcílio Dias, que ficava próxima ao campo de futebol.  A alegria contagiante de Otávio chamou a atenção do Tenente Duval, que o interpelou. Iniciou-se uma discussão e o valente delegado e seus dois assistentes baixaram o cacete em Otávio, que se defendeu batendo nos três. O povo em volta desapareceu antes que sobrassem para eles alguns cachações nessa luta ferrenha de gigantes. O Tenente Duval e seus dois homens apanharam tanto de Otávio que foram se abrigar no Sanatório Naval. Dizem que, dias depois, o delegado procurou Otávio, o chamou de “cabra macho” e declarou ter sido o único homem em Friburgo a enfrentá-lo. Quis ser amigo de Otávio e passou a frequentar o Grito da Mocidade.

Otávio curiosamente era autor de peças teatrais em que escrevia, dirigia, musicava e era o ator principal - apesar de sua gagueira. Sua peça mais famosa foi “Filho Maldito”, em que alugava o Teatro Leal para sua encenação. Só viram Otávio chorar como uma criança na morte de sua mãe. Os que foram ao velório no Perissê registraram a seguinte cena. Era uma residência de três pavimentos. No primeiro andar, o corpo de sua mãe envolta em uma mortalha em um ambiente respeitoso. No segundo andar, a jogatina corria solta em um ambiente envolto em uma cortina de fumaça de cigarro. No porão, samba e muita cachaça e Otávio frequentava todos os ambientes da residência se alternando entre os prantos de sua saudosa mãezinha e a camaradagem de seus amigos.

Otávio faleceu na década de 50, vítima de um enfarto, dentro de sua máquina de trem, trabalhando. Tentou-se levar o bar adiante, mas sem a alegria, as brincadeiras e o carisma de Otávio, acabou fechando as portas. As noites no centro da cidade ficaram silenciosas sem o grito da mocidade de Otávio. Artigo baseado em fatos reais nas crônicas de Augusto Curvello de Muros, “Aqui Friburgo”. 

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    As noites no centro da cidade ficaram silenciosas sem o grito da mocidade de Otávio

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    Nova Friburgo na década de 40, onde o Grito da Mocidade ficava próximo

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    Otávio era maquinista-foguista da Estrada de Ferro Leopoldina

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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