O fribourgoise Sebastien Nicolas Gachet

quarta-feira, 03 de dezembro de 2014

A imagem de Sebastien Nicolas Gachet, encarregado oficialmente pelo Cantão de Fribourg de propor a D. João VI uma colônia de suíços no Brasil, tem sido retratada de forma negativa. No entanto, nos parece que ele agiu conforme o racionalismo característico de um fribourgoise. A questão mais difícil inicialmente era encontrar um terreno apropriado para o estabelecimento da colônia. Era necessário que fosse situada perto da Corte para gozar da proteção do rei e se recorrer com facilidade às autoridades competentes. O distrito de Cantagalo foi escolhido por já despontar como uma região produtiva de lavoura branca dando os primeiros passos no cultivo do café. A região de Cantagalo igualmente dispunha de terras devolutas, ou seja, terras abandonadas que retornavam a propriedade da Coroa Portuguesa. No entanto, Monsenhor Miranda, responsável pela política de colonização, adquire a fazenda do Morro Queimado de Monsenhor Almeyda, ficando claro que o interesse privado estava acima do interesse público. Gachet quis conhecer Cantagalo. Visita muitas fazendas, mas, de todas, prefere a de Morro Queimado. Gachet parte do seguinte critério: a fazenda do Morro Queimado tem a vantagem de ter numerosos sítios próprios para o pasto, sendo "montuosos e cheios de matos”, próprio para a criação de gado. O clima favorecia igualmente essa atividade, achando parecido com a primavera e o verão da Suíça.  

Após a chegada dos suíços e a distribuição das datas de terras, houve uma reclamação geral em relação à qualidade delas, a maior parte imprópria a agricultura. Em razão disso, o projeto de colonização estava com o seu fim contado. Fez-se redistribuição de novas terras, mas não impediu que os colonos suíços abandonassem o Núcleo Colonial migrando para outras regiões. Fica a seguinte indagação: por que D. João VI teria despendido uma significativa soma de dinheiro para trazer colonos suíços para dar-lhes terras improdutivas? Na realidade, ainda que as condições do contrato entre a Coroa Portuguesa e a representação suíça estipulassem a atividade agrícola, além de ofícios mecânicos, nos parece que Gachet via o colono suíço mais como um pastor do que propriamente como um agricultor. Há que se levar em conta que se tratava muito mais de uma negociação entre o Cantão de Fribourg e a Coroa Portuguesa do que com a Confederação Suíça propriamente dita. A Confederação Helvética tem uma tradição de autonomia de seus cantões que permanece até hoje. Como era o Cantão de Fribourg? Trata-se de uma região alpina na qual a criação de gado leiteiro supera notadamente a atividade agrícola. Além de poucas terras cultiváveis, devido a geografia constituída na maior parte por montanhas, o outono e o inverno impedem a labuta na terra, posto que nenhum cultivo medra nessas estações. Diante dessa circunstância, pode-se concluir que Gachet imaginava o colono suíço muito mais como um pastor, um armailli, do que como um agricultor. Mas não vieram colonos de outros cantões? Sim, vieram, por exemplo, colonos de Vaud e do Valais, nesse caso, regiões notadamente vinícolas. Porém, ainda que tenham vindo colonos de outros cantões, quem estava no comando era o fribourgoise Gachet e sua mentalidade é tipicamente pastoril. Teriam os colonos suíços se queixado de suas terras porque não vislumbravam a atividade pastoril? Nos parece que sim. 

O projeto de D. João VI de colonização foi um fracasso aos olhos dos que viveram aquela época. Mas segundo Nicoulin, tudo leva a crer que, mesmo que a administração tivesse sido perfeita, a maioria dos colonos teria abandonado o Núcleo Colonial. Vieram ao Brasil para progredir e fazer fortuna, e não para serem meros pastores produtores de queijo. A prosperidade se encontrava nas lavouras de café nas terras quentes de Cantagalo. No caso de Gachet, apenas quis reproduzir na colônia a tradição cultural dos armaillis, os pastores queijeiros fribourgoises.


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de

diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”


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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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