O fluminense Euclides da Cunha

quinta-feira, 20 de outubro de 2016
Foto de capa
Solon e Euclides Filho, à esquerda e à direita, em primeiro plano

O acervo de Euclides da Cunha encontra-se na Casa Euclidiana, em São José do Rio Pardo, e por isso, muita gente credita o seu nascimento naquele município. No entanto, o escritor de “Os Sertões” nasceu em Cantagalo, em 20 de janeiro de 1866, onde tem um modesto memorial.

Na semana passada, participando da Festa Literária de Nova Friburgo (Flinf) com Anabelle Loivos, coautora do livro “Euclides da Cunha, da face de um Tapuia”, e Jane Ayrão, pudemos trazer um pouco a memória do escritor do maior clássico da literatura brasileira.

“Os Sertões” é o livro que tem uma bibliografia e estudos mais vasto por críticos literários superando Machado de Assis. Igualmente tem uma expressiva filmografia: “Guerra de Canudos”, “Paixão e Guerra no Sertão de Canudos”, “Sete Sacramentos de Canudos – Batismo e Desejo”, minissérie da Rede Globo.

Mas vamos trazer o viajante e irrequieto escritor para as nossas bandas. Confiou ao Colégio Anchieta a educação dos filhos Solon e Euclides Filho, internos entre 1907 e 1908. Justificando a sua ausência em Nova Friburgo para visitá-los, assim escreveu: “Quero que respeites mais aos teus mestres, porque eles aí me representam; de sorte que não tens de envergonhar-te das repreensões que eles te dirijam. É um engano imaginares que a insubmissão seja própria de um homem verdadeiramente altivo. O homem verdadeiramente altivo é o que evita ver-se na posição de merecer uma censura...”

Ainda com relação à cidade serrana, Euclides fez uma observação corroborando com uma na qual eu já havia me referido em meu livro: a vila de Nova Friburgo era uma babel de línguas em que se imbricava o francês e o alemão e seus respectivos dialetos, o português e as línguas das nações africanas.

Numa correspondência assim escreveu: “...Mesmo desta encantadora Nova Friburgo tenho uma impressão exagerada. Foi a primeira cidade que eu vi e conservo-lhe neste revés da idade viril, uma impressão de criança, a imagem desmesurada de uma quase Babilônia.”

Linguagem rebuscada e barroca necessita-se entender a sua obra para poder apreciá-la. O livro “Os Sertões” é dividido em três partes: A Terra, no qual disserta sobre geologia, geografia, fauna e flora; O homem, onde faz uma análise antropológica, sociológica, histórico-social e filosófica; e “A Luta”, capítulo em que narra a guerra de Canudos. Foi um intérprete do Brasil!

Relendo a sua obra para dar conta de intermediar um debate entre as “euclidianas” Anabelle Loivos e Jane Ayrão senti a ausência do negro em sua literatura. Euclides foi um porta-voz das agruras do sertanejo, o homem do sertão, palavra que no século 19 tinha a conotação de um homem que vive no interior do país.

Abraçando a tese do determinismo analisa o sertanejo sobre três ângulos: a raça, o meio físico e o processo histórico. Canudos nada mais foi do que um arraial formado pela transumância dos sertanejos miseráveis, vitimados pela pobreza e pela seca, tendo como líder espiritual Antônio Conselheiro.

No entanto, nesse momento, paralelamente escravos libertos em razão do fim da escravidão vagavam errantes pelo país como o sertanejo. A escravidão no Brasil procurou evitar vínculos familiares entre os escravos e notadamente entre as nações africanas, segregando-os. Daí um liberto errante, sem referências.

Euclides da Cunha foi o primeiro a tentar explicar o “ser brasileiro”. E porque o humanista e profundo conhecedor da formação social brasileira não se referiu aos libertos em sua obra? Possivelmente a explicação esteja em uma negação de suas origens.

Quando nascera, Cantagalo estava em pleno vigor econômico devido ao plantio do café e possuía um dos maiores plantéis de escravos. Sua família residia na Fazenda Saudade, em Santa Rita do Rio Negro.

No entanto, o que possivelmente mais vexava Euclides talvez fosse o fato de seu avô paterno, o português Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha, de Braga, traficar escravos na Bahia. Era dono de um navio negreiro, o “Pestana”, que realizou inúmeras viagens entre as costas da África Ocidental e os portos do Rio de Janeiro e de Salvador, na primeira metade do século 19.

Fica aí uma provável explicação da ausência do africano liberto em sua obra. Morto precocemente em um duelo com o amante de sua esposa, seu último laço com Nova Friburgo foi através do filho mais novo, Manuel Afonso, contador no Colégio Modelo e o único a deixar descendência.

Foto da galeria
Jane Ayrão trouxe à Flinf correspondência de Euclides da Cunha com os filhos
TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.