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O cotidiano dos escravos nas fazendas de café – Parte 1
Uma das mais importantes fontes de pesquisa para se conhecer o cotidiano das unidades de produção de café do Brasil Império, as instruções gerais para a administração das fazendas são uma pérola para os historiadores. No documento que descreveremos, a rotina do trabalho escravo nas fazendas recomendada pelo Conde de São Clemente, filho do Barão de Nova Friburgo, em 1879. Quem trouxe luz a essa documentação foi Leila Vilela Alegrio, em seu livro “Os Clemente Pinto”.
As ocupações diárias do administrador da fazenda, o tratamento dos escravos, o cuidado com as crianças escravas e igualmente com as plantações, tudo isso é contemplado nessas instruções nos conduzindo a uma leitura preciosa do cotidiano das fazendas cafeeiras. O conde inicialmente recomendava ao administrador prudência, sobriedade e imparcialidade, administrando a fazenda como se fosse de sua propriedade.
Nas recompensas e nos castigos o administrador não poderia ser guiado pelo capricho ou parcialidade. Deveria ser o primeiro a se levantar e tocar o sino, com o intervalo de cinco minutos, uma hora antes de nascer o dia. A seguir, deveria formar a escravatura, cada feitor com seu terno, fazendo-se a contagem para saber se todos estavam presentes e castigando aos que faltarem ao chamado. Os que estivessem enfermos seriam recolhidos ao hospital, instalação que passou a existir nas fazendas depois que o preço dos escravos se elevou sobremaneira devido a lei de 1850, que proibia o tráfico intercontinental de cativos.
Mandaria servir duas xícaras de café bem torrado a cada escravo, provando antes para ver se estava bem feito e adoçado. É curiosa a preocupação com o açúcar no café dos escravos: o administrador deveria adoçar o café ou a sua vista mandar adoçar. Preocupação com a energia? Revistavam-se na ocasião os pés dos escravos, examinando se foram lavados na noite anterior, antes de se deitarem. A falta de higiene nos pés era origem de feridas, frieiras e bichos de pé, destacava o conde.
O que os escravos comiam no almoço? Entenda-se que almoço nessas fazendas era às 10h, pois o trabalho se iniciava de madrugada. No almoço comiam feijão cozido e bem temperado com sal, gordura e pimenta acompanhado de angu de milho. O jantar era servido às 14h e consistia em feijão com nacos de carne seca, recomendando-se serem fritas antes em gordura de porco.
Ao feijão deveriam ser misturadas ervas ou couves e a preparação da carne deveria variar, sendo ensopada com abóbora, couve ou outro tipo de legume. A ceia dos escravos, hábito português antes de dormir, deveria ser frugal para evitar indigestões. Davam-se inúmeras opções dessa merenda, tais como: canjica bem cozida de milho branco, bem adoçada, ou mingau de fubá, ou de arroz, ou de mandioca temperada com gordura e abóbora, ou ainda angu com ervas ou outros legumes da estação. A comida deveria ser provada anteriormente pelo administrador. Deveriam receber para o jantar, pelo menos duas vezes na semana, arroz bem preparado com gordura.
Percebe-se que a gordura e o açúcar ganhavam grande importância na dieta alimentar da escravaria nas fazendas. Recomendava-se servir a alimentação com abundância até o escravo se satisfazer e as sobras lançadas nos coxos dos porcos.
Para as crianças menores de sete anos, pela manhã, serviriam café com leite adoçado e acompanhado de um pedaço de rosca ou pão de milho. Às 8h servia-se o almoço: arroz com leite, herança árabe, ou arroz temperado com gordura. Às 11h, uma ou duas bananas ou laranjas. Às 14h, o jantar com feijão misturado ao arroz e angu de milho, ou pirão de mandioca com um pedaço de carne seca. Na ceia, canjica bem adoçada. Continua na próxima semana.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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