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O clima de Nova Friburgo: ator histórico
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Na sessão extraordinária de 9 de junho de 1831, a Câmara Municipal levava ao conhecimento do público as medidas que tinha tomado em relação à estrada da Serra da Boavista, com a abertura de um novo caminho. Utilizaria a imprensa da Corte para convidar a população do Rio de Janeiro, tanto nacionais como estrangeiros, para vir gozar das vantagens que o clima da região oferecia às pessoas valetudinárias. Participava-lhes que em breve se terminaria uma parte do caminho na nova estrada da Serra da Boavista que facilitaria o trânsito na parte mais dificultosa. Pouco mais de uma década depois da criação da vila, os vereadores da Câmara Municipal já faziam propaganda do clima de Nova Friburgo, o que é surpreendente. Ainda não tínhamos o turismo de lazer inserido no cotidiano dos brasileiros, até porque essa prática decorre de sociedades com uma burguesia urbana bem definida. O convite se dirigia aos indivíduos achacadiços, portadores de algum tipo de enfermidade, mais especificamente a tuberculose, a peste branca do século 19. No clima salubre de Nova Friburgo, encontrariam a convalescença dessa doença.
Conforme as pesquisas que tenho realizado em Nova Friburgo, no século 19 posso afirmar que o principal ator histórico desse município é o seu clima. Devemos analisar a história local sob esse prisma, pois percebe-se que todas as práticas e representações, acontecimentos circunstanciais ou estruturais giram em torno do seu clima. Foi o clima da região que fez com que D. João VI retirasse de Cantagalo a sua região mais elevada para dar acolhida segura aos colonos suíços para que não padecessem no tórrido clima tropical. A preocupação primaz foi de dotar-lhes de um clima salubre adequado à sua sobrevivência, e não de boas terras para a agricultura. A seguir vieram os maiores educadores do país, o barão de Tautpheous e o inglês John Frezze, instalar colégios que formariam boa parte da elite política do Império. Na ocasião, acreditava-se que o clima frio das montanhas auxiliava o alunado a ter maior aproveitamento escolar. Foi o clima aprazível de Nova Friburgo que levou o primeiro barão de Nova Friburgo a escolher a cidade serrana para seu lazer, edificando um magnífico chalet parque ao redor (Country Club), um solar no centro da vila (Casa de Cultura) e um pavilhão de caça (Sanatório Naval). Igualmente o fez o barão de Duas Barras, que nos legou um lindo prédio (UFF) na Rua General Osório. E foi notadamente o clima que trouxe os Galeano das Neves, importante família da província mineira que buscaria na salubridade do clima de Nova Friburgo a cura da tuberculose. Se estabeleceram na aprazível vila e se tornaram uma importante e influente família na região.
No último quartel do século 19, aporta em Nova Friburgo o italiano Carlos Éboli que fez um suntuoso investimento na cidade serrana construindo o maior instituto sanitário hidroterápico da América Latina. O maravilhoso hotel Central, em estilo neoclássico, anexo a esse instituto, e de sua propriedade, hospedava seus pacientes, abrigando atualmente o colégio N.S.das Dores. Se hoje avistamos, quando circulamos pelo centro da cidade, um prédio da Marinha do Brasil, pode parecer a princípio bizarro, pois não temos o mar que justifique a instalação dessa instituição. Mas há um antecedente histórico. Sim, foi o clima de Nova Friburgo, mais uma vez, que trouxe a Marinha a esse município. Inicialmente, vieram para tratar a marujada do beribéri e posteriormente instalaram um hospital para a cura dos seus tuberculosos. Foi essa doença que acarretou a vinda de inúmeros outros doentes dessa enfermidade à cidade serrana e muitos se estabeleceram definitivamente no município. Poderíamos ainda nos estender e elencar outros episódios que ocorreram vinculados direta ou indiretamente ao clima da Nova Friburgo. Numa época em que grassavam epidemias, das quais se desconhecia a origem, estar no topo, na serra, onde as montanhas barravam os miasmas que proliferavam no ar fazia a diferença no imaginário da população. Logo, as serras ou os pontos altos de uma cidade — como foi o caso de Santa Tereza, no Rio de Janeiro —, se transformaram em abrigo seguro contra as doenças que chegavam a provocar a extinção de um povoado, como foi o caso da vila de Santo Antônio de Sá.
Não faltam fundamentos para justificar o clima como principal ator histórico de Nova Friburgo. Instituições, pessoas, práticas sociais, tudo gravita em torno do seu clima. É sob essa perspectiva que sugiro que reapresentemos boa parte de nossa história.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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