O caso do Cascata: ao dono, o seu

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Consultando as minhas garatujas, me deparei com uma pesquisa que fizera sobre a história do prédio pertencente atualmente à Uerj. Tudo se iniciou quando o médico Dermeval Barbosa Moreira, muito conhecido na cidade, e seu cunhado resolveram edificar um hotel cassino no local conhecido como Cascata. Esse empreendimento, o Cassino Cascata, contou com o financiamento dos empresários do Cassino da Pampulha, Cassino da Urca e do Quitandinha. No entanto, quando o prédio estava praticamente pronto, eis que o jogo de azar passa a ser proibido no país e o cassino virou um elefante branco. Dermeval Moreira procurou então a equipe médica do Hospital de Tuberculosos de Corrêas, em Petrópolis, oferecendo o prédio do Cassino Cascata para a instalação de um hospital. A população friburguense não ficou satisfeita com a instalação de mais um sanatório na cidade, pois já abrigava o Hospital de Tuberculosos do Sanatório Naval. Surgem no cenário Augusto Spinelli, César Guinle, José Eugênio Müller, entre outros, que se mobilizam para impedir tal negociação. Adquirem o prédio a fim de instalar no local um estabelecimento educacional, a Empresa Educacional Fluminense. Entretanto, não dispondo de recursos financeiros à altura da iniciativa procuram o Colégio Anchieta para vender o prédio, mas o valor era superior aos seus recursos. Finalmente, entram em entendimento com a Fundação Getúlio Vargas. A ideia da vinda dessa fundação mobilizou tanto a população friburguense que foi feita uma subscrição pública e arrecadou-se mil contos de réis. Inicia-se uma negociação que envolveu a Prefeitura, a Empresa Educacional Fluminense e a Fundação Getúlio Vargas. A Prefeitura precisaria desembolsar alguns milhões de cruzeiros para viabilizar a vinda da fundação, o que acabou gerando protestos, principalmente por parte de Pedro Cúrio, diretor-proprietário de O Nova Friburgo: "...não existe uma só voz contra a vinda da Fundação Getúlio Vargas; o que existe, sim, é o clamor público quanto a sangria que querem fazer nos cofres municipais, de três milhões e quatrocentos mil cruzeiros! (...) existe a finalidade financeira, qual seja, a de encontrar um comprador em condições de livrar a Empresa Educacional do pesadíssimo encargo econômico...”.

A mensagem do prefeito César Guinle foi aprovada pela Câmara Municipal e conseguiram a vinda da Fundação Getúlio Vargas para Nova Friburgo. O Cascata passou a abrigar, a partir de 1949, o Colégio Nova Friburgo, cujo período letivo inicia no ano seguinte. Ficou conhecido na cidade como "Fundação”. Tratava-se de um estabelecimento de ensino secundário considerado como referência no país por suas práticas pedagógicas inovadoras. Porém, tudo leva a crer que a intenção era ajudar a falida Empresa Educacional Fluminense. Foi investido no Cascata um total de CR$6.000.000,00(seis milhões de cruzeiros). A Prefeitura entrou com CR$2.000.000,00(dois milhões de cruzeiros), além um empréstimo junto a Caixa Econômica de CR$2.5000.000,00 (dois milhões e quinhentos mil cruzeiros). A população friburguense, como dito antes, com uma subscrição de CR$1.000.000,00 (um milhão de cruzeiros). A Fundação Getúlio Vargas entrou somente com a pífia quantia de CR$500.000,00(quinhentos mil cruzeiros). Logo, depreende-se que esse prédio pertencia muito mais à população de Nova Friburgo do que propriamente à Fundação Getúlio Vargas. Essa instituição, por sua vez, transferiu o prédio para a Uerj. O histórico prédio encontra-se infelizmente abandonado, deteriorando-se, por conta da tragédia de 2011. Parece-nos que o Estado não tem o menor interesse em restaurá-lo e a universidade já está instalada em um outro local. Não seria o caso do poder público municipal pleitear a propriedade desse prédio? Um museu no local, um parque para atividades esportivas, um teatro, enfim, quanto o município não ganharia tendo um espaço como esse? A Prefeitura Municipal entrou com o maior quinhão na aquisição de tal patrimônio, conforme vimos. Como dizia um ditado no século 19, não seria o caso de "dar ao dono, o seu”?


 Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo.  Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo


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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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